Uma moeda única do Mercosul seria viável?

COMPARTILHAR
Tempo estimado de leitura: 6 minutos
É viável a moeda única do Mercosul? | Opinião | Valor Econômico

Logo no início do novo governo uma proposta de moeda única para o grupo de países do Mercosul ganhou destaque no noticiário.

Na primeira semana de janeiro o embaixador da Argentina no Brasil sugeriu, após conversas com o atual ministro da Fazenda Fernando Haddad, o trabalho futuro conjunto entre os dois países no sentido de se pensar em uma moeda comum. Mas isso não é algo que surgiu agora.

Moeda sul-americana

Destaca-se que, em 2022, o atual secretário-executivo na Fazenda, Gabriel Galípolo, escreveu um artigo com o próprio Haddad sugerindo uma moeda sul-americana. Essa ideia de uma possível ‘moeda única do Mercosul’ é um bom ponto para discussão de teoria econômica.

Mas sendo imprescindível chamar a atenção do leitor para as condições necessárias, a fim de que isso seja factível. Um bom exemplo é olhar para o experimento da criação e implementação do euro.

Para adentrar no tema é natural usar como ponto de partida os estudos sobre as áreas monetárias ótimas de Robert Mundell (trabalhos publicados nos anos 1960 e prêmio Nobel de economia em 1999).

Segundo esses, as áreas geográficas que fariam sentido para a mesma moeda seriam aquelas com as seguintes características: (1) grande fluxo comercial, (2) muita mobilidade de mão de obra, e (3) alta integração financeira.

Ora, o Mercosul representa cerca de 6% da corrente de comércio do Brasil, o que invalida a primeira. A mobilidade de mão de obra é baixa até mesmo entre os estados brasileiros – apenas 20% das pessoas migram para outros estados –, sendo baixíssimo o número de migrantes no mercado de trabalho entre os países na América Latina.

Por fim, a integração financeira é inexistente, bastante observar os diferenciais de juros e diferentes regulações bancárias entre os países da região. Logo, nenhuma das três características está presente para iniciarmos essa conversa. Questiona-se de saída qual seria a motivação.

Política monetária

Creio que se voltarmos os olhos para o grande experimento da zona do euro, muito se aprendeu sobre o tema. Com uma moeda comum teremos apenas um Banco Central e, portanto, uma única política monetária para todos os membros.

Isto requer o que chamamos de simetria de choques econômicos, uma vez que se há desalinhamento de política fiscal a política monetária terá impactos diferente entre os membros.

No contexto histórico da zona do euro vale lembrar que esteve associado a grandes dificuldades do sul europeu comparado às economias centrais do continente, em momentos em que a inflação se tornou divergente e os juros eram únicos.

Caso da crise Grega

O aprendizado ficou: não existe moeda comum sem algum tipo de federalismo fiscal. Veja o caso da crise Grega em que diversos pacotes de empréstimos (subsidiados) foram direcionados ao país para produzir a estabilização necessária sobre a moeda.

Daí a importância de criação de protocolos para limites da dívida pública e déficit fiscais.

Os países do Mercosul se encontram distantes de contexto razoável para a implementação de algo observado na zona do euro. Vale aqui uma descrição do tratado que constitui o programa que balizou a criação da União Europeia (EU).

As três bases foram:

  1. Comunidades Europeias, entre elas a Econômica;
  2. Política externa e de segurança comum (promover cooperação internacional, respeito pelos direitos humanos e liberdades individuais etc);
  3. Cooperação entre governos da UE em relação à justiça e assuntos internos (luta contra terrorismo e tráfico de drogas etc).

Também se destacam: introdução do conceito de cidadania europeia; reforço dos poderes do Parlamento Europeu; definição de base legal para políticas comuns; estabelecimento dos pilares para união econômica e monetária com moeda única e critérios para uso. Não é difícil ver que ainda estamos engatinhando nesses pontos.

Além disso, o último ponto é muito relevante. Três etapas foram importantes, além de políticas industriais, proteção dos consumidores, protocolos sociais (emprego):

(a) liberalização completa dos movimentos de capitais (ocorreu no início da década de 1990); (b) convergências de políticas econômicas nacionais (início em 1994); (c) criação de moeda única e do Banco Central Europeu (1999).

Inflação

No caso de políticas, critérios relativos à inflação, aos níveis de dívida pública, às taxas de juros e às taxas de câmbio foram definidos para que os países devessem apresentar antes de adotarem a moeda única – evitar déficit público superior a 3% do PIB, dívida pública superior a 60% do PIB etc.

Sem falar em conflitos sobre os objetivos da união econômica – além dos conflitos políticos – uma avaliação de economia política sugere a dificuldade em se forçar um país de um bloco a cumprir critérios como os econômicos, vide o caso da Grécia.

Deste modo, é óbvio que se observou longos processos de ajustes aos padrões desejados para ingresso ao euro: os países precisaram alinhar políticas monetárias e fiscais, com limites de inflação, déficit e dívida pública.

O Brasil e os países do Mercosul têm aspectos econômicos e sociais tão distintos que a implementação e o processo de ajuste parecem completamente fora do nosso contexto atual.

Definitivamente as características econômicas para moeda única não são atendidas agora e não serão atendidas rapidamente. Seria um longo processo, como foi para a região do euro.

Após as primeiras críticas aparecerem, um novo ponto tem sido levantado sobre essa questão: a ideia de moeda comum seria apenas uma moeda meramente contábil para simplificar o comércio regional e sem significar o abandono das moedas nacionais.

Parece mais simples, mas mesmo nesse caso haveria a discussão sobre as garantias dos riscos cambiais de cada país na liquidação das operações. Definitivamente não é função dos bancos centrais o financiamento de riscos cambiais envolvidos no comércio exterior.

Além do mais, o dólar já funciona de maneira simples como esse tipo de moeda contábil nas operações entre os países, com liquidez e facilidade transacional.

Desta forma, não há nada de novo numa proposta deste tipo e só pode ser pior daquilo que já existe, complicando o comércio com o resto do mundo.  Para o Brasil não faz sentido econômico e serve apenas para desviar a atenção do importante tema do controle da dívida pública.

Autores:

  • Reginaldo Nogueira, diretor-geral do Ibmec SP e DF
  • Márcio Salvato, gerente-geral do Ibmec BH
  • Ari Francisco de Araujo Jr., coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec BH

Artigo publicado no Valor Econômico: clique aqui.

CADASTRE-SE PARA RECEBER INFORMAÇÕES SOBRE NOSSOS CURSOS

Informe o seu nome completo
Informe um número de celular válido
Li e concordo com a política de privacidade, bem como com o tratamento dos meus dados para fins de prospecção de serviços educacionais prestados pelo IBMEC e demais instituições de ensino do mesmo Grupo Econômico
Preencha todos os campos obrigatórios