A questão do lobby partidário no Brasil

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Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Para que o processo eleitoral não desestabilize a economia a cada dois anos, o País talvez precise regular a atividade lobista

Por Clever Vasconcelos e Alexandre Pires

Formalmente, os partidos políticos existem para disputar cargos públicos por meio de eleições e indicações. Assim, o elo entre economia e política se daria, principalmente, em razão dos cargos de controle das empresas estatais – ou dos serviços públicos que empregam muito, como educação e saúde, ou que contratam muito, como infraestrutura e habitação. 

No entanto, o controle direto de ativos pelo Estado é somente a parte mais visível do seu papel na atividade econômica. Por óbvio, não é pouco, haja vista que mais ou menos metade do produto econômico passa pelo Estado brasileiro. Então, quem tem o controle estatal comanda boa parte da economia, bem como acaba por influenciar a formação dos preços básicos no mercado.

Contudo, há a outra metade da economia que não é controlada diretamente pelo Estado, mas regulada por ele, em menor ou maior medida: o setor privado.

Informalmente, os partidos políticos brasileiros também existem para disputar o controle da regulação do setor privado: o lobby. O termo tem conotação negativa e até de algo ilegal no Brasil, mas aqui é usado sem juízo de valor, denotando uma manifestação do direito de petição.

O desenvolvimento político comparado mostra que alguns países assistiram a uma separação mais nítida e transparente entre o poder incumbente (os políticos) e o poder influente (os lobistas). Não foi o caso do Brasil.

Ainda que uma parte dos candidatos concorra para representar espectros ideológicos do eleitorado, não podemos perder de vista que a outra parcela concorre para representar interesses regulatórios, indeléveis em uma economia inegavelmente pujante, mas que funciona na lógica de “alvarás” – o Estado autoriza e regula.

As empresas precisam se adaptar à realidade econômica em que operam para obter os resultados esperados. E a realidade econômica empresarial brasileira está enredada na política. O processo eleitoral e as expectativas que o processo cria dão mostra de quanto a economia oscila em razão das mudanças do humor político nacional. 

Cotações em Bolsa, preços básicos e juros de curto, médio e longo prazos variam fortemente nos meses em que antecedem eleições, especialmente quando os principais cargos não contam com um favorito – ou quando este não tem ideias “econômicas” claras, ou seja, não indica o que fará com o arcabouço regulatório.

O ciclo político bienal cria ciclos econômicos às vezes mais longos, como no período de criação e reforma do Plano Real, entre 1993 e 1998; e por vezes mais curtos, como o que se tem visto desde 2014, em que todas as eleições, gerais ou municipais, se tornaram momentos de instabilidades política e econômica. 

A solução não é, como muitos acreditam e professam, o alongamento do ciclo eleitoral ou o prolongamento de mandatos. São saídas nada democráticas, que tiveram livre curso ao longo do século passado em nossas instituições (e, infelizmente, ainda têm). O desafio está em criar uma cultura de troca de governo sem necessariamente uma troca de instituições – regras e regulações, por exemplo.

A tradução político-eleitoral é a noção de segurança jurídica, sendo a ideia de alternância de governo. Portanto, a normalização do ciclo eleitoral. Dito de outro modo, o ciclo eleitoral não deveria gerar ciclos econômicos nem “ciclos constitucionais”, com reiteradas emendas casuísticas, que desequilibram a desejada estabilidade e a segurança jurídica. 

O sistema de voto proporcional, sem qualquer vinculação territorial, facilita a divisão das candidaturas entre políticos e lobistas. Não é o mesmo que dizer que o sistema de voto distrital puro ou misto seja a solução para a discussão tratada aqui. O fim do financiamento privado também não muda esta realidade, porque a economia é toda regulada – e em economias modernas e complexas inevitavelmente acaba por ser regulada.

A dificuldade está em como separar o jogo formal das eleições de representantes e o jogo informal dos lobbies regulatórios. O candidato tem de exercer uma função dupla inconciliável: representante popular e lobista. E os partidos não podem representar espectros do eleitorado enquanto representam setores privados. 

As empresas são sensíveis às mudanças da legislação nacional, quer dizer, os resultados destas últimas são fortemente influenciados pela permanência ou pela substituição da legislação. Assim, o setor empresarial não pode deixar de lado o processo eleitoral, seja entrando indiretamente na disputa de forma regulada pela lei, seja levando em conta os cenários eleitorais para decidir sobre investimentos e desinvestimentos.

Para o processo eleitoral passar a ser sobre a economia como um todo (setores público e privado, em competição internacional), sem desestabilizá-la a cada dois anos, possivelmente o País precise retomar o debate regulatório sobre a formalização dos escritórios de lobby, agora, em combinação com uma reforma eleitoral que dificulte o sucesso eleitoral de candidatos que não contem com o apoio e a adesão de um espectro do eleitorado. 

Para isso, é necessário eleições que afunilem as disputas a ponto de todos os rostos serem vistos, e todas as ideias, ouvidas pelo eleitorado. É algo a ser criado para a nossa realidade, pois não há como copiar algo que resolva problemas que acabem por ser vinculados ao próprio desenvolvimento das instituições políticas brasileiras.

*Clever Vasconcelos é professor de Direito Constitucional e Eleitoral no Ibmec-SP, pós-doutor (Universidade de Coimbra), doutor (PUC/SP) e promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo; Alexandre Pires é professor de Relações Internacionais e Economia no Ibmec-SP, doutor (USP) e mestre (Unicamp).

Artigo publicaso pelo InfoMoney: confira aqui.

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