Professor de Compliance do Ibmec Brasília, Márcio Medeiros, escreve artigo sobre governança e Integridade

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Tempo estimado de leitura: 11 minutos

A integridade é um elemento fundamental que diferencia uma organização com aparente boa governança, mas que trabalha para interesses capturados com ganhos diretos ou indiretos para finalidades distintas daquelas definidas na missão da organização. Uma governança com integridade é mais do que não se envolver em fraude ou corrupção, é assegurar o compromisso de tomar decisões com foco no propósito. 

Governança, integridade e resultados caminham juntos.

Em boa parte do mundo há esforços significativos para aperfeiçoar a governança das organizações no setor público e privado, de modo a aumentar a capacidade de entrega de resultados para seus clientes, reduzir os custos de funcionamento e melhorar o gerenciamento dos seus riscos.

A governança é a aplicação de práticas de liderança, de estratégia e de controle, que permitem aumentar e preservar valor para os acionistas ou destinatários das políticas públicas a depender do propósito da organização. A estrutura de governança estabelece os modos de interação entre os gestores, os proprietários e as partes interessadas, visando garantir o respeito dos gestores aos interesses dos proprietários e das partes interessadas. Todo esse processo somente trará sustentabilidade de longo prazo se alinhar desempenho conjugado com integridade, ética e respeito às normas vigentes.

Um programa de compliance/integridade é a estrutura que consiste no conjunto de ferramentas e coordena as ações de promoção da conduta ética para assegurar a conformidade dos agentes aos princípios éticos, os procedimentos administrativos e as normas legais aplicáveis à organização. É um processo contínuo que envolve a identificação das exigências éticas, administrativas, legais, bem como a análise e mitigação dos riscos de não conformidade e a adoção das medidas preventivas e corretivas necessárias.

A integridade é a fundação que assegura que o caminho trilhado pela governança siga por meio de condutas ilesas, honradas, honestas, probas, servindo como guia de senso de justiça, equidade, construção de credibilidade e fortalecimento da imagem.

A governança com integridade é uma bússola calibrada para direcionar a atuação e monitorar o desempenho de gestores, livre de conflitos de interesses e com transparência ativa voltada para o interesse real das partes interessadas. Não deve haver burocracia, controles desnecessários ou adoção de práticas sem foco em resultados ou justificativa da razão de ser da organização. A integridade é a liga para garantir que haja compromisso real da gestão com agregação de valor e foco em resultados com respeito aos princípios, valores e dimensões ambientais, sociais e da própria governança.

A governança deve garantir que a organização não se distancie dessa realidade e a integridade deve promover o melhor uso dos recursos, assegurando que o desenho e funcionamento das organizações sejam leves, baratos, céleres e não estruturas pesadas, caras e lentas para atender interesses diversos que não se coadunam com os objetivos a que se propõem, nem com os resultados que delas se esperam.

A integridade é um elemento fundamental e que vai diferenciar uma organização com aparente boa governança, mas que trabalha para interesses capturados com ganhos diretos ou indiretos para finalidades distintas daquelas definidas na missão da organização. Uma governança com integridade é mais do que não se envolver em fraude ou corrupção, mas é assegurar o compromisso de tomar decisões com foco no propósito.

A manutenção de boa governança é um dos grandes desafios de qualquer organização atual e deve estar ancorada na integridade das suas lideranças, qualidade do processo decisório, aprimoramento da gestão de riscos e internalização da cultura de transparência, prestação de contas e responsabilização. A ordem do dia requer simplificar processos, inovar, reduzir custos e preparar-se para uma era de orientar seus valores para dimensões sociais e ambientais além de resultados de curto prazo.

A governança direciona a gestão para colocar em prática a estratégia, mas é a integridade que vai assegurar que o valor gerado trata adequadamente as incertezas e promove o comportamento íntegro, justo e ético.

Os termos integridade e compliance foram internalizados na prática de gestão com maior frequência no Brasil após as investigações e resultados da operação “lava jato”, especialmente após a edição da Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, que disciplina a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

O emblemático caso da Lava Jato, a maior investigação de esquema de corrupção já realizada no Brasil, juntamente com outras grandes investigações que culminaram com a prisão de vários empresários e políticos corruptos abriram um horizonte de esperança à sociedade.

Há um clamor social no Brasil de aperfeiçoamento da governança com integridade desde a migração da administração pública burocrática para administração pública gerencial. Esse movimento ocorreu com certo atraso em relação ao resto do mundo que já vislumbra esse caminho desde a década de 1970. A partir da lava jato foi incorporado um sentimento geral de que a gestão pública e privada não pode prescindir de rígidas regras de integridade, a balizar o comportamento dos gestores para que eles cumpram padrões éticos e procedimentos íntegros.

A recomendação da OCDE sobre integridade pública em 2017 indica que de 10 a 30% de investimento em um projeto de construção com financiamento público pode ser perdido por má gestão e corrupção. Na mesma publicação menciona que abordagens tradicionais baseadas na criação de mais regras, conformidade mais rigorosa e cumprimento mais rígido têm eficácia limitada. Uma resposta estratégica e sustentável à corrupção é a integridade pública. Transparência não é suficiente e deve ser acompanhada de mecanismos eficazes de escrutínio e responsabilização.

A OCDE indica aos formuladores de políticas uma visão de integridade pública com uma abordagem dependente do contexto, comportamental e baseada em risco, com ênfase em cultivar uma cultura de integridade em toda a sociedade e investimento em liderança de integridade.

Embora o Brasil tenha reduzido a corrupção percebida entre 2020 e 2019, o país ainda apresenta um índice bastante elevado: de 180 países, o Brasil ocupou, em 2020, a 94ª colocação no ranking de corrupção percebida elaborado pela ONG Transparência Internacional. O país segue atrás de Colômbia, Turquia e China, por exemplo. A nota alcançada pelo Brasil em 2020 foi a mesma registrada em 2015. Representa o 3º pior resultado da série histórica. Com exceção dos anos de 2012 e 2014, o país sempre esteve abaixo da média global (43). Na avaliação de parte da comunidade internacional o Brasil continua falhando em promover reformas estruturais que ataquem as causas de corrupção sistêmica e corre risco de reduzir sua capacidade institucional para o enfrentamento da corrupção”.

Figura 1 – Mapa de Corrupção no mundo – 180 países

Fonte: Transparency International – https://www.transparency.org/en/cpi/2020/index/nzl

O estudo da quebra de confiança foi objeto de estudo Donald R. Cressey (1953), o qual, por intermédio de entrevistas com fraudadores, elaborou modelo conhecido como triângulo de fraude. A hipótese formulada por esse modelo sintetiza que para ocorrência de uma fraude são necessários três fatores: pressão, oportunidade e racionalização. Cressey baseia-se na proposição de que pessoas podem cometer fraudes incentivadas por um problema financeiro ou emocional, considerando as fragilidades institucionais e estão convencidos de algum tipo de racionalização moralmente aceitável antes de transgredir e se envolver em comportamentos antiéticos por entender que é justificável realizar tal conduta.

A figura 2 indica que há necessidade de aprimoramento de controles institucionais voltado para regras que limitem o poder discricionário ou relacionado a valores. Dentro desse entendimento, verifica-se que, para combater essas práticas nocivas, é preciso usar esses dois tipos de controle, que atuam nas três condições explicitadas, de forma a proporcionar uma abordagem mais abrangente. Não basta somente atuar no fortalecimento das barreiras de gestão de risco com criação de políticas, normas ou linhas de defesa tecnológica. É preciso trabalhar e massificar a questão ética, bem como estar atento ao comportamento e prestar suporte para os colaboradores que fazem a organização.

Figura 2 – Triângulo da Fraude

Fonte: Cressey (1953)

 A pressão é o que motiva o crime em primeiro lugar; a oportunidade refere-se à debilidade institucional de gestão do risco, na qual há brechas para explorar uma situação que faz a fraude possível; e a racionalização refere-se à justificação de que o comportamento antiético é algo aceitável e diferente de atividade criminosa na mente do agente que adota essa conduta. Há, ainda, um outro aspecto apontado por especialista, que é a capacidade. Isto significa que o transgressor precisa ter as habilidades pessoais e técnicas para cometer a fraude.

Assim, a pressão é a causa-raiz da fraude, que leva o indivíduo a racionalizar e buscar uma oportunidade, e quando esse cenário está montado, bastaria a capacidade do indivíduo para a fraude ocorrer.

Enfim a corrupção é um problema global que distorce a alocação de recursos das prioridades mais importantes. Ela é anticompetitiva, levando a preços distorcidos e prejudicando empresas honestas que não pagam subornos, resultando em menor efetividade no setor público e privado. Isso aumenta o custo de fazer negócios globalmente e aumenta o custo de contratos públicos e privados.

Atualmente no mundo os sistemas de gestão de compliance são equivalentes ao que a legislação brasileira denominou como programas de integridade. O conceito de Compliance evoluiu para algo muito além de estar em conformidade, pois hoje abrange a integridade, cultura organizacional e dever de tomada de decisão com base nos interesses das partes interessadas na atuação da organização.

Uma política de gestão de integridade bem desenvolvida aumenta as chances de atuação profissional com base em critérios técnicos, e não com base em interesses particulares, aprimorando a qualidade das decisões. Cuidar da gestão da integridade vai melhorar a imagem e confiança das pessoas nas empresas e no governo.

Os mecanismos de governança, gestão de riscos e integridade (GRC) buscam assegurar aos gestores efetivo cumprimento do propósito da organização, atingindo níveis superiores de desempenho e garantindo um comportamento em conformidade com os princípios éticos e legais estabelecidos. Esses mecanismos buscam não somente melhorar, mas dar efetividade às decisões, implementando-as de forma a atender os interesses das partes (os cidadãos, acionistas, os financiadores, os parceiros, os agentes regulados, etc.) na resolução dos problemas públicos e privados.

As pessoas que fazem parte da organização e da sociedade são os elementos essenciais para o sucesso da implementação de qualquer mecanismo de integridade. Nesse sentido há um destaque especial para o comprometimento das lideranças e dos tomadores de decisão na internalização e adoção de uma conduta ética, justa, proba, honesta e voltada para atender aos interesses que se coadunam com a atuação da empresa, órgão ou entidade.

A promoção de boa governança deve fortalecer a transparência, monitoramento das regras existentes, prestação de contas e responsabilização. Deve também elevar os custos morais do envolvimento em atos corruptos, que pode ser obtido pela elevação do rigor na punição dos infratores, seja pelo aumento do incentivo para delatá-los, como pelo aumento das penalidades.

Dados de pesquisa publicada em 2010 pela Fiesp apontam que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do PIB, ou seja, girava em torno de R$ R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões do PIB da época.

Mas a conclusão deste artigo é que governança com integridade é muito maior que prevenir fraude, corrupção e promover transparência. Uma governança com integridade é mais do que não se envolver em fraude ou corrupção, mas é assegurar o compromisso de tomar decisões com foco no propósito acompanhada de mecanismos eficazes de avaliação de desempenho e responsabilização de seus gestores e colaboradores.

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