Observatório das Américas – Há espaço para a América Latina no novo Plano Marshall?

COMPARTILHAR
Tempo estimado de leitura: 4 minutos

Por Mario Schettino Valente

A cada anúncio de um programa de grande volume de investimento, a analogia ao Plano Marshall é revisitada, em muitas oportunidades como um lugar-comum ou uma ausência de criatividade literária. Contudo, arrisco-me a retomar essa analogia para analisar a recente proposta de reconstrução da economia mundial. Acredito que, desta vez, há elementos suficientes para tanto.

Há duas semanas, o Reino Unido, governado pelo conservador Boris Johnson, presidiu a reunião dos chefes de governo do G7 e de convidados. A agenda política do encontro foi abrangente, desde propostas para a superação global da pandemia, passando pela necessidade de igualdade de condições entre homens e mulheres, até os desafios globais da recuperação econômica e da emergência climática.

Como em outras reuniões de cúpula, várias intenções foram manifestadas na declaração final. Entretanto, uma comunicação à imprensa produzida pela Casa Branca tomou o centro das atenções. Nesse documento, os Estados Unidos explicitaram que articulam uma coalizão de democracias e de bancos multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, para realizar investimentos superiores a US$ 40 trilhões. A proposta, intitulada Build Back Better World – em tradução livre Reconstruir um Mundo Melhor – visa a reduzir o déficit em infraestrutura em países em desenvolvimento para, assim, conter a expansão da influência da China. Não se trata de interpretação, esses propósitos estão descritos no documento.

Como se sabe, há quase uma década, a China tem investido na construção de corredores de infraestrutura marítima e terrestre para conectar o seu território a regiões da Eurásia e África. Essas ações do Belt and Road Initiative – ou a Nova Rota da Seda –, têm como resultado o reforço de estruturas logísticas necessárias para a continuidade do modelo econômico chinês, fortemente assentado no comércio internacional, o adensamento de investimentos e de atividades de empresas chinesas nessas regiões e, consequentemente, a expansão da influência da China.

No Plano Marshall, após a 2ª Guerra Mundial, as preocupações estratégicas dos americanos voltaram-se para a contenção da União Soviética em territórios fronteiriços, por meio de maciços investimentos para a reconstrução do Japão e da Europa Ocidental. À época, os países latino-americanos ficaram à margem dessa política de contenção. Toda a América Latina recebeu menos investimentos do que a Bélgica – país cujo território é menor que o município de Altamira no Pará.

Em diversos momentos da Guerra Fria, governos brasileiros alertaram sobre a necessidade estratégica de os Estados Unidos financiarem o desenvolvimento na região, como fez Juscelino Kubitschek ao articular a Operação Pan-Americana em 1958. Contudo, a política de contenção americana na América Latina viria nos anos seguintes, não em forma de incentivos econômicos para sustentação da democracia, mas em apoio político, logístico e econômico a golpes e a regimes autocráticos.

A atual proposta dos Estados Unidos inclui a América Latina entre as regiões a receber parte desses mais de US$ 40 trilhões. Os países latino-americanos adensaram suas relações econômicas com a China nas últimas duas décadas, sobretudo exportando produtos primários e importando produtos industrializados do país asiático. Essa expansão tem ocorrido também em investimentos, mas em volumes bem menores do que os chineses promovem nas áreas prioritárias da Nova Rota da Seda.

Todavia, a política de contenção tende a ocorrer de forma mais intensa no entorno regional do inimigo. Essa foi a estratégia executada pelos Estados Unidos contra a União Soviética e tem sido adotada em relação à China. Os indícios sugerem que a América Latina será, novamente, área marginal para o novo Plano Marshall.

Publicado em jornal O Tempo.

CADASTRE-SE PARA RECEBER INFORMAÇÕES SOBRE NOSSOS CURSOS

Informe o seu nome completo
Informe um número de celular válido
Li e concordo com a política de privacidade, bem como com o tratamento dos meus dados para fins de prospecção de serviços educacionais prestados pelo IBMEC e demais instituições de ensino do mesmo Grupo Econômico
Preencha todos os campos obrigatórios