Por: Lucas Rodrigues Azambuja, doutor em sociologia e professor do IBMEC-BH
No dia 21 de setembro, o presidente dos EUA fez seu discurso de estreia na Assembleia Geral da ONU. O discurso de Joe Biden foi desprezado e criticado pela China. Essa reação causa questionamentos, uma vez que o presidente americano adotou uma atitude de não provocativa com a China, ao contrário do seu antecessor, Donald Trump. Por que o discurso de Biden atraiu uma resposta chinesa negativa? A resposta pode estar na forma e conteúdo do discurso.
O discurso do presidente americano foi vago e pouco convincente ao mencionar temas importantes para agenda multilateral: compromisso com a democracia e direitos humanos, busca pela paz, cooperação internacional para enfrentar problemas globais (meio ambiente, pandemia, etc.), e a busca por relações comerciais mais igualitárias.
Porém, o mais importante foi o conteúdo do discurso de Biden na ONU. O presidente americano sinalizou para dois aspectos completamente opostos ao do ex-presidente Trump: adesão dos EUA ao multilateralismo das organizações internacionais, como a ONU, e suas agências, assim como uma política menos antagonista com a China.
O significado disso é que Biden adotou várias das narrativas geopolíticas do Partido Comunista Chinês. Primeiro, o presidente americano não criticou a China por ter agido tardiamente e nem de pouca transparência em compartilhar informações durante a pandemia. Apenas fez um apelo vago para cooperação internacional no combate à crise de COVID-19 e a necessidade da criação de um “Conselho Global de Ameaças à Saúde” – política também defendida pelo Partido Comunista Chinês. Segundo, aprofundamento do multilateralismo na economia global ao declarar: “Buscaremos novas regras de comércio global e crescimento econômico que se esforcem para nivelar as regras de jogo para que não sejam artificialmente inclinadas em favor de um país em detrimento de outros e todas as nações tenham o direito e a oportunidade de competir de forma justa”. Essa também tem sido a retórica do regime chinês na área do comércio internacional, enquanto, na prática, busca uma implacável agenda nacionalista. Terceiro, um esforço internacional das nações mais ricas para investir em infraestrutura nos países em desenvolvimento e não-desenvolvidos – essa tem sido também a estratégia da China para aumentar sua influência no mundo. Quarto, Biden declarou que os EUA não irão agir em direção ao estabelecimento de uma “nova Guerra Fria”, respondendo a uma recorrente acusação do Partido Comunista Chinês em relação aos EUA.
É verdade que Biden tocou em alguns pontos de antagonismo com a China, por exemplo, liberdade de navegação, adesão aos tratados e leis internacionais, direitos básicos trabalhistas, propriedade intelectual, combate a violações aos direitos humanos e segurança cibernética. Porém, em nenhum momento, Biden acusou a China de violações nessas áreas.
Qual foi a reação do governo chinês ao amigável discurso de Biden? O Global Times, grupo de mídia dirigido pela ditadura chinesa, respondeu, no mesmo dia, com um editorial refutando todas as declarações apaziguadoras de Biden, debochando dele declarar que não está buscando uma “nova Guerra Fria” e acusou que os EUA continuam com as políticas de “confronto” do ex-presidente Trump. Por fim, em seu discurso para Assembleia Geral da ONU, o líder chinês, Xi Jinping, menosprezou Biden ao afirmar que a desastrosa retirada dos EUA do Afeganistão provou que “a intervenção militar de fora e a chamada transformação democrática não acarretam nada além de danos”. Enquanto isso, Xi Jinping, junto com a Rússia e o Irã, conversa com o Talibã sobre o futuro do Afeganistão.
Em resumo, o discurso mostrou uma liderança fraca que trouxe mais ousadia aos adversários geopolíticos dos EUA, preocupação aos aliados dos EUA e mais uma razão para que a aprovação do governo Biden continue caindo entre os americanos.
Publicado por O Tempo.