Mulheres na economia: uma conta que ainda não fecha*
Vivian Almeida, Doutora em Economia e professora do Ibmec
Marcos Lemos, PhD em Economia e Reitor do Ibmec
As estatísticas do Censo da Educação de 2020 revelam que as mulheres respondem por quase 60% das matrículas nas universidades brasileiras. Esse não é um fenômeno nacional. Elas também ocupam a maioria das vagas no ensino superior em diversos países como, por exemplo, Estados Unidos e Reino Unido. Além disso, o fluxo de novas ingressantes, a cada ano, consolida a maior entrada de mulheres nos bancos escolares das universidades.
A evolução da procura por uma formação superior pelas mulheres segue as regras da racionalidade econômica: para elas, os retornos financeiros do investimento em um curso de graduação têm se mostrado superiores. Estudos revelam que as trabalhadoras que possuem apenas o ensino médio recebem em média até 24% menos do que trabalhadores com o mesmo nível de escolaridade. A conclusão de um curso de graduação, no entanto, pode representar para as mulheres salários 68% acima daqueles recebidos pelos trabalhadores homens com ensino médio, versus um prêmio de apenas 62% para os homens que concluem a faculdade.
O diploma universitário é visto, tanto por homens como por mulheres, como propulsor de renda. Essa percepção se alicerça na lógica de que a educação contribui para aumentar a produtividade do trabalho, e, portanto, salários. Ainda assim, como tipicamente acontece com questões sociais, a aparente resolução de um problema revela uma miríade de vários outros que instigam a procurar por causas e consequências, soluções e resolutividade. No caso do acesso ao Ensino Superior e da busca por profissões associadas a remunerações mais altas, causa inquietação o fato de que, em cursos tradicionais como o de Ciências Econômicas, ainda predomine um corpo discente majoritariamente masculino. As mulheres respondem por apenas 31% das matrículas e 28% dos ingressantes em Economia nas instituições brasileiras, segundo os dados do Censo da Educação Superior de 2020. Nos EUA, existem 2,9 homens para cada mulher cursando o major em Economia enquanto, no Reino Unido, elas representavam apenas 33% dos que estudavam Economia em 2020, segundo o Financial Times.
Uma possível explicação é que a profissão do economista é ainda fortemente associada ao setor financeiro, muito procurado pelos homens. Claudia Goldin, economista da Universidade de Harvard, é uma das especialistas no estudo das questões de gênero na área, inclusive da sub-representação feminina na própria profissão. Para reforçar o ponto de que há um estereótipo sobre a atuação do economista, ela propõe um teste que pode ser aplicado ao se pegar um táxi ou Uber. Durante o trajeto, ela sugere que seja comentado com o motorista que você é uma economista. Em 90% das vezes, ele irá lhe perguntar sobre o que você espera em relação ao dólar ou ao mercado de ações, seguindo o senso comum de que economistas trabalham usualmente no mercado financeiro.
Na academia, esse desequilíbrio é muito presente. Somente um quarto dos docentes nos departamentos de Economia nos EUA são mulheres e, segundo o relatório de 2020 do grupo de pesquisa Brazilian Women in Economics (FEA-USP), elas representam apenas 27% dos docentes de programas de Mestrado e Doutorado no Brasil. Fora da academia, a situação também não é nem um pouco animadora. Artigo publicado pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR), em 2021, indica que, em apenas 20% dos maiores bancos e empresas privadas, as mulheres ocupavam o cargo de economista-chefe, segundo dados da Fortune 500.
Apesar de, nos últimos anos, termos visto algumas mulheres economistas em posição de destaque em grandes organizações, ainda há muito a ser conquistado até que atinja uma representação mais equilibrada das mulheres na profissão. Fica, então, a pergunta: O que deve ser feito para que surjam novas histórias de sucesso como as de Kristalina Georgieva – atual diretora-geral do FMI e ex-diretora-geral do Banco Mundial; de Gita Gopinath – atual diretora executiva do FMI e anteriormente economista-chefe do FMI; de Janet Yellen – atual Secretária do Tesouro Americano e ex-presidente do Banco Central Americano (FED); de Ana Paula Vescovi – atual Diretora de Macroeconomia do Santander e ex-secretária executiva do Ministério da Fazenda; de Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BBM; ou uma nova Esther Duflo – prêmio Nobel de Economia em 2019?
Acreditamos que a resposta para atrair mais mulheres para a Economia talvez passe pela própria Economia. O retorno sobre o investimento de uma graduação nessa área para o público feminino é superior ao retorno observado para a formação superior em muitas outras, de acordo com estudo de 2016 do Institute for Fiscal Studies do Reino Unido. A formação em Economia representaria o segundo maior retorno (atrás apenas da Medicina), tanto para os homens quanto para as mulheres. Ao mesmo tempo, uma maior visibilidade sobre os campos de atuação profissional dos economistas, que incluem áreas tão diversas quanto o combate ao crime; a redução da pobreza, da desigualdade e de diferentes formas de discriminação; a avaliação de políticas para promover a doação de órgãos; e a atuação no próprio mercado financeiro, deverá atrair cada vez mais jovens para o estudo da disciplina.
A evolução da participação feminina no mercado de trabalho nos coloca diante de um paradoxo: se a premissa fundamental de racionalidade é inquestionável e assumida por todas, por que esse “pacto” pelo não retorno financeiro que a carreira econômica traz? As respostas, como em qualquer fenômeno social, são multifacetadas, complexas e dinâmicas. Atravessam o tempo e a sociedade de modo não linear. Mas se não quisermos transigir a premissa fundamental de racionalidade, talvez a resposta aqui seja um 42 para o sentido do Universo (para aqueles que estão familiarizados com a série “O Mochileiro das galáxias”), e precisemos reformular: por que ainda mulheres não cabem nesse mundo? E, se cabem, participem! Se apropriem objetiva e subjetivamente. Aqui fica, então, a nossa reflexão e, sobretudo, um convite para que mulheres ocupem legitimamente esse espaço.
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.*