Folha de S. Paulo – Mau sinal para o Brasil

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Recuperação chinesa perde força e ameaça demanda por commodities

Matteo Lanzafame, Economista sênior no Banco de Desenvolvimento Asiático

Reginaldo Nogueira, Diretor-geral do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) São Paulo e Brasília

A rápida recuperação da economia chinesa após o choque da Covid-19 tem ajudado o Brasil. A China é o principal parceiro comercial brasileiro, representando 34% das exportações, e gerando um superavit comercial de aproximadamente US$ 33 bilhões em favor do Brasil em 2020. À medida que a China se recuperava da crise, a demanda por produtos brasileiros cresceu de maneira robusta, em especial soja e minério de ferro, que juntos representam mais de 65% das exportações brasileiras para aquele país.

Mas uma série de notícias recentes colocam dúvidas sobre a robustez das exportações brasileiras para a China nos próximos meses. Em primeiro lugar devido às severas medidas restritivas que vêm sendo aplicadas para controles de surtos locais de Covid-19 e as consequentes interrupções nas cadeias de suprimentos. Esse cenário sugere uma economia crescendo menos no último trimestre do ano do que se esperava anteriormente. Vale lembrar que foi dessa forma que a crise sanitária primeiro se apresentou ao Brasil no primeiro trimestre de 2020, quando empresas brasileiras começaram a ter problemas em suas cadeias de produção devido a limites produtivos em uma China que enfrentava seu primeiro lockdown.

Um risco adicional ao crescimento chinês advém dos recentes problemas decorrentes do alto endividamento de empresas do mercado imobiliário, em especial da gigante incorporadora China Evergrande. Se as más notícias do setor se intensificarem, ou se materializarem em uma crise completa, o impacto sobre o crescimento econômico seria substancial.

Um crescimento mais modesto da China seria refletido em menos exportações brasileiras. Por exemplo, a demanda por carne pode cair, com impactos negativos para a produção importada, a qual representa 25% do consumo chinês, e é proveniente em especial de países como Brasil, Argentina e Uruguai. Mudanças estruturais no mercado de carne suína também trazem riscos. O colapso da rentabilidade do setor, possíveis novos surtos de febre suína africana e o aumento do uso de rações de trigo são indicativos de queda da demanda chinesa por soja no final de 2021, após forte crescimento das importações na primeira metade do ano.

Mais preocupante ainda é o movimento persistente da China em direção ao controle da poluição, através de medidas que incluem a redução da produção de aço. A tendência é clara desde março desse ano, sendo que entre o pico de maio e o resultado de agosto, houve queda de mais de 16% na produção em toneladas. Além disso, escassez e cortes de energia em setembro forçaram diversas siderúrgicas e fundições a reduzir a produção. Tudo isso deve reforçar o cenário de menor demanda e preços de minério de ferro, que já caiu 46% desde julho.

Essas questões setoriais afetam fortemente os principais produtos exportados pelo Brasil para a China, e sugerem menos demanda para os próximos meses. E isso representa um desafio adicional para 2022, um ano que já possui muitas variáveis internas a serem consideradas. Elas incluem as recentes subidas da taxa Selic pelo Banco Central, como forma de combater o persistente aumento da inflação, e as instabilidades políticas esperadas para as eleições gerais de 2022. Expectativas de mercado para o próximo ano não são muito positivas. Por exemplo, o relatório Focus do Banco Central aponta para uma desaceleração do crescimento do PIB para perto de 1,6% em 2022, após cerca de 5% neste ano. Nesse contexto, um cenário no qual a China não sustente mais o setor externo brasileiro se torna particularmente preocupante.

Olhando além do curto prazo, vale o início de uma avaliação de como o setor externo brasileiro deveria se posicionar para a mudança da natureza da atividade econômica na China. Por exemplo, independentemente de como a crise da Evergrande se resolva, o mercado de construção civil chinês está entrando em um período de declínio estrutural, o que implica uma tendência de menores exportações de minério de ferro.

Indo além, o movimento da China em direção a um crescimento mais limpo e ambientalmente sustentável, implica menos demanda por commodities. Os impactos que isso teria sobre a estrutura produtiva brasileira, o equilíbrio de longo prazo do balanço de pagamentos, além da própria taxa de câmbio, não podem ser ignorados.

Artigo publicado pela Folha de S. Paulo.

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