O Ibmec tem orgulho de abrir o espaço da editoria “Com a palavra, Professor:” para que nossos docentes possam compartilhar pensamentos e textos em suas áreas de especialidade e interesse. O artigo a seguir foi escrito pelo professor do Ibmec Brasília, Phelippe Oliveira, para o site ConJur e reproduzido na íntegra.
No final deste mês de agosto, tem início, em Nova York, o aberto dos Estados Unidos, um dos quatro principais torneios de tênis do mundo, ao lado do aberto da Austrália, Roland Garros e Wimbledon. Além de atraírem a atenção do público e da mídia, os chamados Grand Slams normalmente oferecem maior premiação em dinheiro, além de mais número de pontos no ranking para os seus vencedores. Para quem aprecia o esporte, sabe da importância e prestígio para um jogador em ganhar qualquer deles.
Na disputa do aberto dos Estados Unidos este ano estarão os principais jogadores do mundo, com destaque para o russo Daniil Medvedev, atual primeiro do ranking mundial e vencedor do torneio no ano passado. O alemão Alexender Zverev, atual segundo do mundo, é presença incerta, pois se recupera de uma lesão no tornozelo. Outro que também é dúvida, por não ter se vacinado contra a Covid, é o sérvio Novak Djokovic, tricampeão do torneio.
Mesmo que eventualmente um deles não venha a participar do torneio, os três tenistas acima têm uma coisa em comum. Todos residem em Montecarlo, capital do minúsculo principado de Mônaco, conhecido por seu cassino e o Grande Prêmio de Mônaco de Fórmula 1, uma das mais importantes provas de automobilismo mundial. Mas não são apenas tenistas famosos que residem em Mônaco. Diversos outros esportistas também, como o piloto Louis Hamilton e o ex-piloto Nico Rosberg.
Alguns devem estar se perguntando: por que esportistas famosos escolheram residir nesse minúsculo país, pouco maior do que o bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, situado entre a França e a Itália?
A localização na Cote d’Azur, à beira do Mediterrâneo, local com clima ameno e bonitas praias certamente ajuda. Especula-se ainda que outros fatores contribuam para a atratividade de Mônaco, como a segurança pública, o sistema de educação, o fato de o país sediar diversas atividades culturais e esportivas durante o ano, etc [1]. No entanto, a principal razão de esportistas e personalidades famosas viverem em Mônaco tem a ver com o regime de tributação favorecido do principado.
Não é de hoje que Mônaco possui um regime tributário bastante atrativo. Nos idos da década de 60, sua tributação favorecida fez estremecer a relação entre a França e Mônaco. Devido à proximidade dos países, vários cidadãos franceses mudaram (ou fingiram mudar) sua residência para Mônaco para pagar menos tributos. O governo francês mandou colocar um bloqueio na fronteira dos países para pressionar o príncipe Rainier. Finalmente, no final de 1963, um acordo entre os países foi celebrado[2].
Atualmente, as pessoas residentes em Mônaco não se sujeitam à tributação da renda, exceto se tiverem nacionalidade francesa (resquício do acordo celebrado em 1963). Além disso, somente os bens localizados em Mônaco estão sujeitos ao imposto sobre heranças e doações. Mônaco também não cobra ganho de capital de seus residentes, tampouco imposto sobre grandes fortunas, como até recentemente faziam os franceses. Em outras palavras, um verdadeiro “paraíso” fiscal.
Mas não pense que essa “boquinha” está ao alcance dos reles mortais. Para gozar desse “privilégio”, é necessário efetivamente residir em Mônaco, isto é, tratando-se de pessoas físicas, estar presente no principado por pelo menos 183 dias por ano. E o custo de vida lá é altíssimo. O preço do metro quadrado dos imóveis em Montecarlo é considerado um dos mais caros do mundo. E nem pense fingir residir em Mônaco apenas para não pagar imposto, pois você pode se dar mal.
Não custa lembrar o que aconteceu com o ex-tenista alemão Boris Becker. Becker, que foi tricampeão de Wimbledom e já foi o primeiro do ranking mundial, declarou, no final dos anos 90, ter deixado de residir na Alemanha, país com elevada tributação, para residir em Mônaco. As autoridades tributárias alemãs, entretanto, consideraram que o ex-tenista, de fato, residia em Munique, na Alemanha, e, portanto, tinha que pagar imposto naquele país. Em 2002, Becker foi condenado a dois anos de prisão por evasão fiscal, mas teve sua pena suspensa[3].
Enfim, no final do mês, os olhos dos amantes do tênis e da imprensa esportiva internacional estarão voltados para o Aberto dos Estados Unidos de tênis, último Grand Slam do ano. Quando da premiação, lembrem-se: se quem estiver levantando a taça for Medvedev, Zverev, Djokovic, ou qualquer outro tenista residente em Mônaco, eles não irão pagar um centavo de imposto de renda sobre a premiação, ao menos não para o fisco monegasco. Benesse por residirem no principado.
[1]Para outras razões para viver em Montecarlo, conferir: Why Do Tennis Players Live In Monte Carlo? The Reason is Obvious (supertennisracquet.com).
[2]KEEN, Michael; SLEMROD, Keen. Rebellions, Rascals and Revenue: tax follies and wisdom through the ages, Princeton University Press, 2021.
[3]Becker gets two years suspended for tax fraud | World news | The Guardian