Valor Econômico: Professor Thiago de Moraes Moreira publica artigo sobre transição energética inflacionária

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Tempo estimado de leitura: 6 minutos

Por: Thiago de Moraes Moreira
Consultor em planejamento estratégico e do Ibmec RJ


A grande maioria das análises econômicas prospectivas estão convergindo para a ideia de que a transição energética deve ser encarada como uma tendência consolidada. Ainda que haja variações na definição conceitual entre as diferentes instituições, todas incorporam a dinâmica de redução na participação relativa das fontes fósseis (carvão, petróleo e gás) na oferta energética dos países, com avanço na participação de fontes alternativas, com destaque para as renováveis. A grande incerteza diz respeito à velocidade desta transição. Se quando a pandemia se instalou no mundo no início de 2020 houve uma exacerbação da incerteza sobre qual seria seu efetivo impacto sobre o ritmo da transição energética, aproximando-se do fim de 2021 está cada vez mais claro que a pandemia contribuiu para acelerar tal transição.

Se até 2019 havia cerca de 20 países com publicação de compromisso com a chamada neutralidade de carbono entre 2050 e 2060, ou seja, emissões líquidas zeradas neste horizonte, em 2021 já temos mais de 45 países que se comprometeram com tal meta. Segundo a Agência Internacional de Energia, até 2019 os países comprometidos com a neutralidade eram responsáveis por cerca de 25% das emissões, percentual que passou a 70% com o maior número de países signatários do compromisso.

Além disso, é importante destacar a incorporação da neutralidade de carbono no planejamento de algumas das principais empresas de petróleo e gás, tais como Shell, British Petroleum (BP), Equinor e Total Energies ao longo de 2020/21. Trata-se de empresas europeias que atuam internacionalmente e estão no grupo dos principais produtores de petróleo e gás do mundo. Denota-se um processo gradual de modificação no portfólio dos ativos, com redução dos investimentos na exploração de novos campos de petróleo, e aumento simultâneo das inversões em projetos calcados na geração de energia por meio de fontes renováveis.

Embora as europeias liderem este movimento, outras grandes petroleiras vêm anunciando metas ambiciosas de redução nas emissões. Mais recentemente, a norte-americana Chevron e a saudita Saudi Aramco (a maior produtora de petróleo do mundo) também anunciaram metas de se tornar carbono neutro nas próprias operações até 2050, o que também deverá exigir mudanças na composição do portfólio.

Os cenários prospectivos baseados em uma transição energética acelerada estiveram sempre associados à convergência de preços de petróleo para níveis mais baixos. A lógica básica estaria baseada na tendência de queda a demanda pelos fósseis, uma vez que tais cenários estão fundamentados na dinâmica de eletrificação crescente da mobilidade através da geração elétrica por fontes renováveis, substituindo o uso dos fósseis principalmente para fins de transporte e geração de eletricidade.

O que muitas vezes acaba sendo desconsiderado nestes cenários de transição energética acelerada é que, além do choque negativo de demanda pelos combustíveis fósseis, deverá ocorrer também um importante choque negativo de oferta. A mencionada mudança no perfil dos investimentos das empresas petroleiras levará inevitavelmente a uma menor produção dos fósseis, em particular de petróleo.

Dada a defasagem significativa entre o investimento e a produção, característica do setor petrolífero (entre 5 e 10 anos), as maiores restrições sobre a oferta ainda estão por vir. Neste contexto, é plausível supor que a redução da oferta de petróleo na próxima década possa ser ainda mais significativa que a queda esperada da demanda, implicando que os sinais e preço não são necessariamente baixistas.

Cabe destacar que a subida mais recente nos preços de petróleo para patamares superiores a US$ 80/barril ainda não está diretamente relacionada à mencionada desaceleração dos investimentos exploratórios. A recuperação da demanda por petróleo em função do aumento na circulação de pessoas devido a um maior controle da pandemia certamente jogou peso importante para a aceleração dos preços após o colapso do início de 2020.

No entanto, quando comparamos com o período pré-pandemia a grande mudança está, sem dúvida, no lado da oferta, com destaque para os grandes cortes de produção negociados no âmbito dos países membros da Opep+ (incluindo Rússia) e a queda na produção dos chamados não convencionais nos EUA.

A despeito da recuperação, a demanda atual de petróleo ainda se encontra em níveis inferiores ao pré-pandemia, devendo recompor este patamar apenas em 2022. Ou seja, a explicação para preços acima de US$ 80/barril (muito superior ao patamar de US$ 60/barril verificado no pré-pandemia) está muito mais associada a um choque negativo de oferta do que a um choque positivo de demanda.

Com o avanço da transição energética, a flexibilidade no manejo da oferta tende a ser muito mais limitada e reduções na produção não dependerão de aumentos de capacidade produtiva ociosa. Com investimentos exploratórios em declínio, a capacidade produtiva será decrescente,inviabilizando o controle sobre a oferta de petróleo, como ainda é possível ser feito atualmente. Não fossem as reduções nos níveis de cortes de produção da Opep desde maio, os preços estariam em patamares ainda maiores.

Outro importante aspecto que impacta diretamente os preços de petróleo a médio e longo prazo diz respeito às crescentes penalizações que os produtores dos insumos fósseis deverão sofrer. Dentre estas, podemos destacar a própria precificação do carbono, além de eventuais tributos visando desincentivar a produção e o uso destes combustíveis. Neste caso, mesmo em cenários de choques negativos de demanda por petróleo mais expressivos, eventualmente até maiores que os choques negativos a serem observados na oferta, as esperadas penalizações e desincentivos aos fósseis deverão sustentar os níveis de preço em patamares ainda elevados.

Em síntese, a vinculação de uma transição energética acelerada a baixos preços de petróleo pode não se verificar empiricamente. A longa jornada de redução no uso do petróleo poderá ser feita em um ambiente de preços elevados, gerando possíveis focos inflacionários.

Considero os elementos aqui discutidos compondo um dos principais riscos macroeconômicos da vigente década, na qual deveremos observar um componente inflacionário de natureza estrutural associado à aceleração da transição energética. Neste ambiente, resta saber se os Bancos Centrais ao redor do mundo irão tolerar um patamar mais alto de inflação, em
decorrência das necessárias mudanças energéticas para o cumprimento dos compromissos firmados, ou voltarão a subir a taxa de juros de forma mais acentuada, podendo desencadear novos processos recessivos.



Retirado de: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/transicao-energetica-inflacionaria.ghtml