Observatório das Américas – Uma batalha pela alma da nação

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Tempo estimado de leitura: 4 minutos

Por Mário Schettino Valente | Cientista Político e professor de Relações Internacionais do Ibmec BH.

Joe Biden foi eleito em uma campanha que convocava os eleitores para uma batalha pela alma da nação (Battle for the Soul of the Nation). Embora esse lema fizesse parte de uma retórica para mobilização dos eleitores, ele representa a disputa política atual. Em pouco mais de 100 dias, seu governo conseguiu aprovar um pacote de transferência de renda e de recursos, para a saúde e educação, de US$ 1,9 trilhão, como uma estratégia de enfrentar a pobreza e recuperar a economia, ambas impactadas pela pandemia. Este é o plano de curto prazo.

O plano de longo prazo, projetado para 8 anos, concentra-se em 2 polos: infraestrutura e expansão da assistência social com maior participação do Estado. Nesses polos, Biden articula as 5 prioridades de seu governo: a recuperação econômica, a reforma da saúde, a redução do déficit fiscal, o investimento em infraestrutura e o enfrentamento das alterações climáticas. Em 28 de abril, o presidente dos Estados Unidos discursou para o Congresso promovendo esse plano de longo prazo, com custos em torno de US$ 4 trilhões.

Por uma hora, Biden defendeu com veemência o potencial que a política ambiental tem para a criação de empregos de baixa, média e alta escolaridade. Ainda criticou o atual regime tributário do país, sobretudo para os mais ricos, citando nominalmente a pouca eficácia do “trickledown economics”, a política de redução de carga tributária sobre as classes de maior renda, que deveria ter tido efeitos positivos sobre os investimentos e a abertura de novas empresas e, consequentemente, de novos postos de trabalho. Também defendeu expressamente as indústrias e os produtores rurais americanos, e associou o aumento pretendido dos gastos estatais à competição internacional no século 21, citando as concorrências europeia e chinesa.

Esse enquadramento do discurso de Biden volta-se para as parcelas de baixa e média renda da população, que, ao longo das últimas décadas, têm observado uma redução em seus salários e em seu padrão de vida em razão da escassez de empregos em tempo integral em indústrias, e aumento de vagas em tempo parcial em serviços de baixa produtividade, como o comércio varejista e os serviços de alimentação. Parte desses setores, que em décadas anteriores votavam nos democratas, migraram para a base republicana, sobretudo a partir da liderança política de Trump.

O apoio desses setores independentes e republicanos é central para o governo Biden aprovar a sua plataforma econômica. Para tanto, a sua administração ainda precisa convencê-los. Dados sobre a opinião dos americanos, nesses 100 dias de governo, mostram uma ampla adesão de pessoas que se declaram democratas e independentes aos eixos da plataforma econômica de Biden. De fevereiro até o início de maio, percebe-se também um crescimento tímido desse apoio por parte de republicanos, notadamente em relação à redução da desigualdade e ao enfrentamento das alterações climáticas, embora essa parcela da população tenha se tornado crescentemente contrária à proposta de investimento em infraestrutura.

Contudo, o desafio principal reside nas alterações do regime tributário, que financiariam o plano econômico de Biden. Há grande resistência sobre a proposta de aumentar os impostos sobre ganhos de capital. Enquanto 42% dos americanos apoiam a proposta, sobretudo os democratas, outros 40% são contrários e 18% não têm uma opinião formada. Ou seja, a maioria dos americanos não está convencida.

Para alterar a estrutura econômica americana, o governo Biden precisa convencer parcelas grandes de uma sociedade que se fundou sobre um ideal de liberdade baseado na autonomia individual para construir condições de bem-estar para si e para sua família, e na contenção do Estado a um nível mínimo de intervenção, limitando-se a garantir que um indivíduo não interfira nos direitos de outro. É, propriamente, uma batalha pela alma da nação.

Publicado em jornal O TEMPO.

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