Observatório das Américas – Trinta anos de Mercosul: trajetória e perspectivas em meio à crise

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Contradições do pacto de integração regional se evidenciam

Por Christopher Mendonça, doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH

Em meados dos anos 80, os países da América do Sul ainda se encontravam sob grande influência dos Estados Unidos, principalmente no que se refere ao seu comércio internacional. O Brasil, maior economia da região, vivenciava um processo de remodelagem de sua política exterior, baseada no movimento de redemocratização do país, que havia passado por mais de duas décadas de um duro regime militar.

José Sarney, um experiente político do Norte/Nordeste do Brasil que passou a ocupar a Presidência da República em razão do falecimento do titular, vislumbrava uma parceria estratégica com o seu congênere argentino, o presidente Raul Alfonsín. A aproximação dos dois países deu ensejo à formalização de novas parcerias e à ampliação dos fluxos comerciais entre os dois principais países da região.

Nos primeiros anos da década de 90, com o fim da Guerra Fria, a necessidade de alternativas regionais para o comércio tornou-se ainda mais flagrante. O Brasil, governado pelo presidente Fernando Collor de Melo, e a Argentina, sob Carlos Menem, deram o pontapé inicial e, conjuntamente com o Paraguai e o Uruguai, formalizaram, em março de 1991, o Tratado de Assunção.

Com base no tratado, os quatro países sul-americanos se comprometiam a cumprir um processo de aprofundamento progressivo de um Mercado Comum do Sul – o Mercosul – que iniciaria nos moldes de união aduaneira e caminharia com olhos na experiência europeia cuja integração comercial já alcançava patamares superiores.

O Mercosul completa 30 anos de existência sem grandes avanços no que se refere à diminuição das barreiras comerciais entre os países e principalmente na busca por novas estratégias para o bloco. Pautados em movimentos de proteção de seus mercados nacionais, os países que compõem o Mercosul produziram uma extensa lista de exceções que retira dos termos do acordo produtos considerados sensíveis, enfraquecendo a ideia de um bloco econômico.

Na última década o bloco passou por grandes dificuldades que não se restringiram ao aspecto econômico, mas que alcançaram, inclusive, debates acerca do regime político dos países envolvidos. Em 2012, depois de um conturbado processo de impeachment do presidente Fernando Lugo, o Paraguai foi suspenso do Mercosul sob alegação de estar promovendo um movimento antidemocrático.

No mesmo ano, depois de um longo debate, a Venezuela foi incorporada ao bloco, somando mais de US$ 300 bilhões ao coletivo de países e uma grande capacidade produtiva baseada na disponibilidade do petróleo. Ancorado na chamada cláusula democrática – Protocolo de Ushuaia –, o Paraguai voltou a fazer parte do bloco, e a Venezuela, por sua vez, foi suspensa diante das críticas feitas pela comunidade internacional em relação ao progressivo uso da violência política promovida pelo presidente Nicolás Maduro, herdeiro da tradição chavista.

Embora o comércio entre os Estados-membros ainda tenha peso significativo para a região, más notícias rondam o bloco. Em 2020 a União Europeia suspendeu negociações de um importante acordo comercial com o Mercosul, baseando-se principalmente em críticas proferidas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, sobre a condução da política ambiental brasileira.

Na última semana, durante a realização de uma cúpula de comemoração da terceira década do bloco, as contradições do Mercosul ficaram mais evidentes diante da reiterada defesa do presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Po, de uma maior autonomia para que os países realizem negociações bilaterais. O presidente argentino Alberto Fernández criticou a postura uruguaia, e o incumbente brasileiro, Jair Bolsonaro, abandonou prematuramente as discussões deixando em aberto as divergências entre os representantes dos países vizinhos.

Embora duradouro do ponto de vista cronológico, o Tratado de Assunção tem se tornado cada vez mais vazio diante das clivagens ideológicas que distanciam os países do bloco. A nova conjuntura política e econômica gerada pela pandemia do coronavírus será a prova de fogo para o Mercosul, que certamente encontra-se em situação delicada, sem bons frutos e respirando com a ajuda de aparelhos.

Publicado por O Tempo.

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