Observatório das Américas – Peru: mais um caso de crise de legitimidade do processo eleitoral

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Por Lucas Rodrigues Azambuja, doutor em sociologia e professor no Ibmec BH.

No dia 15 de junho foram contados todos os votos da eleição presidencial do Peru, dando vitória ao candidato socialista, Pedro Castillo, por uma diferença apertada de 0,25% em relação à candidata conservadora, Keiko Fujimori. Entretanto, o resultado ainda não foi oficializado porque Fujimori acusa que houve fraudes em mais de 500.000 votos. Essas acusações estão sendo examinadas pelo Juri Nacional de Eleições (JNE), e somente após analisar todas as acusações de fraude, é que será oficializado o resultado da eleição.

A tensão tem aumentado: manifestações de rua expressivas de ambos os lados; no dia 22 de junho, mais de 30 parlamentares e outras lideranças hispano-americanas escreveram uma carta solicitando repetir a votação de segundo turno do Peru, para garantir a paz e a estabilidade do país; declarações de ex-chefes militares peruanos no sentido de desconfiança do resultado das eleições; e uma pesquisa recente da empresa Datum Internacional constatou que 65% do peruanos veem indícios de fraude nas eleições.

Todo este cenário de instabilidade foi agravado recentemente com a carta de renúncia de Luis Arce Córdova, membro titular do plenário do JNE. Ele fez afirmações contundentes: “A falta de transparência e a falta de disposição do senhor Jorge Salas Arenas [presidente do JNE] para encontrar a verdade eleitoral, mostram questionáveis ​​intenções de decidir o destino de nossa nação, sobrepondo formalidades sobre justiça e verdade eleitoral, violando os direitos fundamentais dos cidadãos peruanos” – e acrescentou – “Tudo parece ter sido orquestrado, planejado e programado há muito tempo”. Além disso, existem acusações de corrupção contra ambos os candidatos e inclusive contra membros do JNE.

O caso do Peru é mais um entre outros de contestação de resultados eleitorais nos últimos anos – sendo o mais conhecido o das eleições dos EUA, entre Joe Biden e Donald Trump, em 2020.

Todavia, não se trata apenas de situações de contestação eleitoral (algo comum em eleições apertadas e polarizadas), mas de uma onda de desconfiança, de uma crise de legitimidade na lisura do processo eleitoral.

É uma crise de legitimidade porque o que está sendo questionado é a honestidade e imparcialidade dos agentes institucionais responsáveis pela contagem e fiscalização do pleito eleitoral. Isto é, acusações de corrupção e viés político-ideológico contra a burocracia judicial e eleitoral tem sido uma constante nessas situações.

Para entender a gravidade desses casos é preciso saber que a estabilidade e legitimidade dos regimes políticos democráticos reside na confiança entorno do cumprimento de certos procedimentos eleitorais; entre eles, o de que cada voto foi contado e de que cada voto é realmente de pessoas portadoras desse direito. Quando a suspeita recai sobre a burocracia judicial e eleitoral, encarregada de assegurar esses procedimentos, então a crise de legitimidade se instaura.

Ocorre que, tanto no Peru como nos EUA, a resposta das burocracias às acusações e à desconfiança que pesam contra elas, tem sido afirmar que as denúncias não possuem provas e que o sistema é confiável.

No Brasil, o cenário para 2022 aponta também para a desconfiança por parte de um conjunto significativo da população sobre os procedimentos eleitorais. A resistência das autoridades eleitorais em atender as reivindicações daqueles que não confiam no processo eleitoral atual, insistindo que o sistema é confiável e que não há provas de fraudes, somente aumenta as chances de repetir aqui a crise de legitimidade que vivem o Peru e os EUA.

Todavia, independente de quem está certo de fato, se não há confiança na lisura do processo, a legitimidade do resultado (seja qual for) fica prejudicada, corroendo a confiança no processo eleitoral e aumentando a instabilidade. Portanto, é preciso que ambos os lados cheguem a um acordo.

Publicado em jornal O TEMPO.

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