Por Marize Schons – professora do curso de Relações Internacionais do Ibmec BH
É bem provável que no dia de hoje, há 20 anos, o governo americano já soubesse dos riscos da Al-Qaeda. Pelo menos foi o que alegou o relatório da Comissão de 11 de setembro lançado em 2004. Segundo o relatório, vários avisos foram ignorados por administrações consecutivas. Todavia, não só a inteligência americana era capaz de prever o que poderia acontecer. Os avisos sobre o risco do terrorismo transnacional eram públicos e já se manifestavam desde os primeiros anos após a Guerra Fria. Isso quer dizer que nem os ataques da Al-Qaeda ao World Trade Center em 1993, nas embaixadas dos Estados Unidos em 1998 e no USS Cole em 2000 foram o bastante para tirar o Ocidente do estágio de complacência e negação provavelmente desencadeado pela era do pós-consenso.
De qualquer maneira, o ataque de 2001 foi definitivo para decretar o fim do otimismo forçado da época. Por outro lado, 20 anos depois, o legado deixado pelas respostas oficiais do governo americano ao terrorismo internacional são, em geral, decepcionantes e negligentes.
Um dos grandes exemplos das falhas de governo desde 2001 está na Guerra do Iraque — que justificada em parte nas falsas conexões entre o Iraque e a Al-Qaeda — acabou ajudando a rede terrorista ao tirar recursos da guerra no Afeganistão e abrir uma janela de oportunidade para que os homens de Bin Laden pudessem estimular uma nova geração de terroristas no Oriente Médio.
Uma nova geração que, cada vez mais, adquire poder e recursos. O islamismo fundamentalista é uma ideologia contemporânea extremista que, apesar de essencialmente disputar o poder político nas regiões do Oriente Médio, atua transnacionalmente como uma resposta tradicionalista diante o fenômeno da globalização. É por esse motivo que o terrorismo de hoje, diferente de outras experiências históricas, é um problema do mundo todo e, especialmente, das principais potências.
Em 1998, Bin Laden declarou ser um “dever individual de todo muçulmano assassinar americanos em qualquer país em que seja possível”. Apesar dessas declarações e dos efeitos materiais e humanos provocados pela atuação do terrorismo internacional, é curioso perceber que as últimas duas décadas foram repletas de discussões tanto na mídia quanto na literatura especializada sobre os excessos da guerra contra o terrorismo e sobre o repúdio dos próprios americanos em relação aos seus valores. Essas reações são desencadeadas pelos abusos da expansão do poder estatal, especialmente em relação à privacidade dos próprios cidadãos americanos.
Diante das mais recentes notícias sobre o ataque terrorista que ocorreu na Nova Zelândia na última semana — em que um imigrante do Sri Lanka ligado ao Estado Islâmico esfaqueou pessoais em um supermercado — líderes, como a primeira ministra Jacinda Ardern, continuam insistindo em minimizar os riscos alegando se tratar de uma “ação individual”. Clinton, nos anos 90, também considerava Bin Laden “um fanático isolado contra as forças do progresso global”. E foi em 1993 que a analista de inteligência do Departamento de Estado, Gina Bennett, escreveu o primeiro memorando secreto alertando sobre Bin Laden.
Dessa forma, os antecedentes históricos nos mostram que, apesar do presidente Biden declarar o fim da guerra dos EUA no Afeganistão e líderes mundiais insistirem em uma retórica que individualiza os ataques, esse é um conflito que está longe de ser concluído por se tratar de um problema em que a única solução era nunca tê-lo criado.
Publicado pelo jornal O Tempo.