Por Adriano Cerqueira, doutor em história e professor de relações internacionais do Ibmec BH.
Em 4 de maio, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, determinou a instauração da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135, que pretende tornar obrigatória a impressão de cédulas impressas nas eleições brasileiras. A principal argumentação dessa iniciativa (amparada em estudos científicos que defendem a necessidade da auditoria) é a garantia de que seja feita a conferência das eleições no país, que adota as urnas eletrônicas sem a impressão de voto em papel.
Os defensores das urnas eletrônicas brasileiras argumentam que há uma auditoria sobre a exatidão das urnas: na véspera da eleição, cem urnas são usadas com voluntários indicando nelas seu voto e, simultaneamente, registrando em papel sua opção. Após o processo, é feita a conferência para certificar se as cem urnas registraram fielmente o voto que também foi registrado em papel (são mais de 500 mil urnas utilizadas em eleição nacional).
A preocupação com a integridade do processo de votação em democracias eleitorais é legítima e necessária. Afinal, a base na qual os governos e parlamentares estão assentados é a manifestação da soberania popular por meio de cédulas eleitorais. Logo, o sistema tem que ser o mais transparente e auditável possível, por ser a base da democracia.
Nos Estado Unidos, esse debate não é novo, pois lá também é constante a preocupação com a lisura e transparência dos processos eleitorais. Mas, ao contrário do que acontece no Brasil, nos EUA os Estados têm autonomia para definir as regras do processo eleitoral, de tal modo que seria inconcebível existir lá algo como um Tribunal Superior Eleitoral, como ocorre no Brasil.
Primeiramente, nos EUA, o dia que se pode votar varia conforme o Estado. Em 2020, na eleição presidencial, de acordo com o National Conference of State Legislatures (NCSL), 40 Estados e o Distrito de Colúmbia permitiram o voto pessoal anterior ao dia da eleição (3 de novembro). Em Minnesota, foi possível votar 46 dias antes da data definida para a eleição. Segundo o NCSL, a média nos Estados que permitiram o voto prévio foi de 22 dias antes do dia da eleição.
Além disso, nos EUA o voto por correio é usado há muito tempo e, por causa da pandemia, foi amplamente utilizado em 2020. Assim, em 2016 havia Estados como Colorado, Washington e Oregon em que os eleitores registrados receberam uma cédula enviada por correio e por meio dela fizeram sua votação. Em 2020 foram 34 Estados mais o Distrito de Colúmbia que permitiram esse processo.
De acordo com pesquisa do instituto Pew Research Center, 54% dos norte-americanos disseram ter votado pessoalmente na eleição de 2020, contra 46% que votaram remotamente ou por correio. E, dos que votaram presencialmente, metade foi no dia da eleição, enquanto outra metade fez antes desse dia. Assim, não se pode afirmar que houve um dia apenas para que o eleitor norte-americano pudesse votar em 2020.
Na eleição presidencial, ainda de acordo com a pesquisa do Pew Research Center, 65% dos eleitores de Donald Trump votaram presencialmente, enquanto 42% dos eleitores de Joe Biden assim o fizeram. E no dia 3 de novembro, foram 37% dos eleitores de Trump que votaram, contra 17% dos eleitores de Biden.
Portanto, o comportamento dos eleitores americanos na eleição presidencial variou conforme o método de votação. Os de Trump usaram mais o método presencial e no dia da eleição, enquanto os de Biden usaram mais o método remoto e anterior ao dia da eleição. Consequentemente, foram feitas denúncias pelos defensores de Trump quanto à correção dos processos eleitorais não presenciais e anteriores ao dia da eleição. O modo para investigar essa denúncia é justamente a possibilidade de se auditar o voto, algo que vem sendo feito em alguns Estados nos EUA, como Arizona e Geórgia.
Concluindo, a lisura de um processo eleitoral depende da capacidade de se auditar todo o processo. Que seja o mais transparente e documentado possível.
Publicado em jornal O TEMPO.