O quebra-cabeça da Suprema Corte, artigo assinado pelo professor Oswaldo Dehon, para O TEMPO

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Tempo estimado de leitura: 4 minutos

Por Oswaldo Dehon, Cientista Político, Doutor em Relações Internacionais e Professor do Ibmec BH, e Laura Woldaynsky, aluna de Relações Internacionais do Ibmec BH e pesquisadora do Observatório das Eleições dos EUA.

O teórico Clausewitz, em sua obra prima “Da Guerra”, aproximou a guerra da política, ao torná-la um meio, não o objetivo, em si. A guerra é um desígnio político e pode ser afetada pelas circunstâncias do tempo e do acaso. A política, como a guerra, é tomada, não raro, por incerteza e sorte, variáveis que a sustentam. Eleições são expressões típicas desse fenômeno. Apesar de o desenho do sistema eleitoral dos EUA limitar o processo, por ser indireto e tortuoso, não é imune às incertezas.

Eleições, em democracias, são dominadas pela arrepsia. A fortuna maquiaveliana já cedeu a cadeira de presidente dos EUA a W. Wilson, Lyndon Johnson, Gerald Ford, entre outros. A morte da juíza da Suprema Corte (Scotus) Ruth Bader Ginsburg, porém, não foi fruto do acaso. Sabia-se da gravidade da doença. Mas como o episódio interfere no quadro político? A Scotus é composta por um juiz-chefe e oito juízes-associados vitalícios, indicados pelo presidente, com a finalidade de interpretar a lei e a Constituição de 1787.

Ginsburg foi indicada por Clinton, em 1993, após anos como docente em Columbia e como juíza da Corte de Apelação em Washington (DC). Sua postura moderada no Judiciário deu lugar, ao longo dos anos, a um maior engajamento com as causas progressistas, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo, o direito das mulheres ao aborto, mas, especialmente das questões de gênero na sociedade. Com a difusão dos valores da democracia e do liberalismo político, após os anos 90, Ginsburg se tornou ícone da cultura pop e símbolo do pensamento progressista.

A comoção pública foi sucedida pelo debate sobre a indicação e a escolha da juíza da Corte de Apelação em South Bend, Indiana, Amy Connie Barrett, para a sabatina do Senado. Barrett é uma jovem conservadora católica, que trabalhou com um dos magistrados mais essencialistas da história recente norte-americana, Antonin Scalia, falecido em 2016. Barrett possui apenas três anos de serviços como juíza federal. É adepta do essencialismo garantista, abordagem que crê que a Constituição deve ser compreendida literalmente, como os pais fundadores pensavam. Em caso de confirmação, a Scotus passará a ter uma maioria conservadora de seis a três, podendo alterar uma série de interpretações.

Há vários casos emblemáticos. O caso Brown contra o Conselho de Educação, de 1952, tornou proibida a segregação racial em escolas públicas, por meio da interpretação da 14ª Emenda (igual proteção perante a lei). O caso Engel contra Vitale, de 1962, definiu que o Estado não pode obrigar ninguém a orar em escolas públicas. O caso Roe contra Wade, de 1973, tornou básico o direito feminino ao aborto. O caso EUA contra Virgínia, de 1996, tornou possível o ingresso de mulheres na Academia Militar do Estado. Democratas temem um novo equilíbrio em que o garantismo possa ensejar mais espaço para restrições civis.

Em 2016, com o controle do Senado, os republicanos conseguiram bloquear a sabatina do juiz Merrick Garland, após indicação do presidente Obama. A alegação foi que, dada a proximidade do término do mandato, o direito de indicação deveria pertencer ao presidente eleito. A rapidez de Trump para resolver a vacância pode ser interpretada por três variáveis: a primeira como uma busca pela hegemonia na Corte, dadas as alianças circunstanciais do juiz-chefe, John Roberts, aos progressistas e republicanos não alinhados; a segunda, como forma de se opor a um eventual governo Biden pela litigância contínua na Scotus, evitando danos ao legado; por fim, como tática de distração ante as denúncias de não pagamento de impostos federais.

A candidatura Trump, segundo agregadores como Real Clear Politics, 270toWin, Nate Silver e The Economist, possui de 5 a 10 pontos aquém de Biden, vencendo em Estados-chave como Flórida e Texas, mas perdendo, no momento, em Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Ohio, Minnesota e Nevada, além da esperada superioridade democrata em Nova York, Maryland, Massachusetts e Califórnia. A indicação de Barrett pode animar a militância trumpista e trazer parte do eleitorado feminino, branco, católico e indeciso, porém o presidente esbarra no fato que 62% dos adultos consideram que a indicação deveria ocorrer após a posse, segundo a Reuter/Ipsos. Mas há um problema ainda maior para Trump: são 23 cadeiras de senadores republicanos em jogo, e as pesquisas indicam que 13 estão ameaçadas pelos desafiantes democratas. Como se posicionarão sobre a juíza Barrett?

Crédito: O TEMPO

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