O cancelamento de uma Nação

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O direito de fazer a guerra e o direito na guerra sempre foram dois institutos fascinantes, pois carregam o significado de que a atitude menos humana de todas -a guerra- ainda poderia ser regulada e trazer parâmetros para conferir um certo verniz de civilidade. Isso até o surgimento do conceito de guerra total, atribuída a Adolf Hitler, na qual não há limites para uma guerra, priorizando todos os esforços de batalha. Esse era o significado de guerra total -pelo menos até agora.

A invasão da Ucrânia foi a primeira guerra transmitida em tempo real para o mundo. Google Maps mostrando tanques na evacuação dos civis; Elon Musk atendendo o presidente Volodimir Zelenski, via Twitter, para ajudar com internet para os ucranianos; vídeos ao vivo revelando atos de guerra dos soldados russos -que até por isso se controlaram em algumas situações. O ‘Grande Irmão’, de George Orwell, não poderia estar mais orgulhoso.

A transmissão em tempo real provocou reações igualmente imediatas. As empresas globais presentes na Rússia foram dando adeus ao país: petroleiras, montadoras, eletroeletrônica, fabricantes de aeronaves, administradoras de cartões, indústria alimentícia e tantas outras se inspiraram umas nas outras e isolaram comercialmente a maior nação do leste europeu. As linhas de crédito russas foram cortadas, e um banimento quase total aconteceu no sistema Swift. O espaço aéreo se fechou ao redor dos russos, ao menos do lado ocidental. Os hackers Anonymous se mobilizaram para lutar ciberneticamente ao lado dos ucranianos. As mídias sociais limitaram as informações do governo russo. E até os streamings e salas de projeções se recusaram a lançar novas produções no país, pelo menos até um cessar-fogo.

Times e atletas russos foram banidos de competições. E tudo isso enquanto fortunas e bens de oligarcas russos são apreendidos mundo afora. Até a vodca foi tirada do cardápio de bares, que rebatizaram um famoso drink de ‘Kiev mule’. Essa resposta, imediata e global, cria um cenário até então inédito no mundo: o cancelamento de uma nação.

A cultura do cancelamento, marca desta nova década, é uma forma moderna de ostracismo, muito presente no ambiente virtual, no qual determinado indivíduo ou grupo de indivíduos são banidos ou ‘abandonados’ por seguidores, patrocinadores e apoiadores por conta de manifestações ou outras ações julgadas moralmente questionáveis.

O cancelamento não é novidade na história. Basta lembrara infame letra escarlate. Contudo, até então nunca se tinha realizado o cancelamento de um país. Curiosamente, o Brasil ensaiou tal movimento em 2001, deixando de tocar músicas canadenses e jogando fora produtos do país após uma disputa comercial prejudicial. E ainda pode ser citado o estranhamento com cidadãos e a própria nação da China por conta da pandemia que assola o mundo. Mas nunca se chegou a esse patamar.

Assim, em pouco mais de uma semana desde que a invasão armada começou, o mundo isolou a Rússia comercialmente, politicamente, desportivamente, financeiramente, ciberneticamente, virtualmente, diplomaticamente e artisticamente. Quase se pode dizer totalmente.

Ainda que esta tenha seus apoiadores, declarados e ocultos, dificilmente Vladimir Putin deve ter conseguido avaliar o custo da invasão em tantas esferas diferentes, com tantos campos de batalhas simultâneos, em uma nova definição de guerra total. E, diante da inação das Nações Unidas, na qual a liberdade morre com um estrondoso aplauso em sessões de repúdio teórico, todo o resto da sociedade civil organizada parece adotar uma postura de efetivo confronto, cada um em sua esfera, com o cancelamento da Rússia e de Putin – que passou a ocupar o cargo vago há quase um século de inimigo do mundo por iniciar uma invasão que, embora deva ser bem-sucedida, também significa na per da da guerra de uma forma muito mais brutal para seu país e seu povo.

Diante da inação das Nações Unidas, na qual a liberdade morre com um estrondoso aplauso em sessões de repúdio teórico, todo o resto da sociedade civil organizada parece adotar uma postura de efetivo confronto, cada um em sua esfera, com os cancelamentos da Rússia e de Putin – que passou a ocupar o cargo vago há quase um século de inimigo do mundo por iniciar uma invasão que, embora deva ser bem-sucedida, também significa na perda da guerra de uma forma muito mais brutal para seu país e o seu povo.

Por Benedito Villela – professor do Ibmec SP e Head of Special Projects na Laurence Simons

Artigo publicado na Folha de S.Paulo: clique aqui.

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