Novas medidas de estímulo devem ser necessárias enquanto a vacinação caminha a passos lentos no país
Por Reginaldo Nogueira*
É um fato curioso (e, agora, muito esquecido) que 2020 começou de maneira bastante otimista. Depois da severa recessão do biênio 2015-2016 e da lenta recuperação nos três anos seguintes, o ano passado seria de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima dos 2,5%. Alguns falavam em 3%. Contudo, perto do carnaval, as notícias esparsas de um vírus que atingia a cidade de Wuhan, na China, começaram a se tornar mais frequentes e complexas.
Ao longo do mês de janeiro, algumas empresas brasileiras já haviam relatado dificuldades em conseguir insumos para diversas produções, pois os fornecedores em Hubei (China) enfrentavam um lockdown – uma palavra, até então, obscura e relativamente desconhecida. Depois do carnaval, isso evoluiu rapidamente para um problema mais sério e ficou claro que não era algo que estaria restrito apenas à China.
Ainda assim, no começo de março, as preocupações econômicas a respeito do novo vírus se concentravam na cadeia de distribuição de insumos importados e nos potenciais desafios no canal de demanda externa. Foi apenas ao fim daquele mês, há um ano, que a real extensão das crises econômica e social da iminente catástrofe sanitária se mostrou mais clara. Nos meses seguintes, as expectativas de crescimento entraram em queda livre, à medida que mais restrições às interações econômicas e sociais eram impostas, na tentativa de se reduzir a taxa de contágio do vírus.
Avançando no tempo, a queda do PIB observada em 2020, de 4,1%, acabou sendo melhor do que o esperado – principalmente nos piores momentos, em maio e junho. Nesse período, até chegou a se cogitar queda de até 7% do PIB. Isso não ocorreu, em boa medida pelos estímulos e pelas políticas aplicadas pelo governo, que foram capazes de manter empregos e consumo. Em especial, o auxílio emergencial, que sustentou o consumo das famílias, e o programa de manutenção de emprego e renda, que permitiu que o ajuste no mercado de trabalho não fosse feito por meio de demissões, mas pela suspensão de contratos e redução temporária de jornadas de trabalho.
Entretanto, não podemos ignorar que, apesar da necessidade e do sucesso dessas políticas, elas trouxeram um custo fiscal enorme, o qual ainda não sabemos como equacionar. A queda da arrecadação e a explosão das despesas emergenciais levaram a um déficit primário em 2020 próximo ao que se esperava economizar ao longo de uma década com a Reforma da Previdência de 2019. Com a dívida pública bruta ao redor de 90% do PIB, o grande debate econômico do Brasil nos anos seguintes à pandemia será a sustentabilidade fiscal.
Olhando para o comportamento dos preços, a inflação em 2020 terminou acima do centro da meta do Banco Central (BC). Ao longo do ano, as previsões de inflação se mantiveram relativamente baixas, em especial em decorrência dos efeitos deflacionários da recessão econômica. Todavia, houve um susto inflacionário no último trimestre, que foi acompanhado por uma rápida correção das expectativas. Este fenômeno, em especial, é parecido com o ocorrido em 2019, quando a inflação subiu ao fim do ano além das expectativas anteriores, puxada pelo preço dos alimentos. No ano passado, a política monetária se manteve expansionista, com juros reais negativos. Essa política, no entanto, já começou a ser revertida pelo BC graças aos riscos inflacionários e à instabilidade do câmbio.
Mesmo em um cenário de crescimento moderado (e com riscos de novos lockdowns reduzirem ainda mais o ritmo da retomada), é provável que os juros também tenham de subir além dos níveis esperados atualmente. É claro que se trata de uma medida fundamental para o controle das expectativas de inflação. Entretanto, um ponto a ser lembrado é o custo fiscal deste ciclo esperado de aumentos, via conta de juros. Isso deve gerar ainda mais pressão sobre o governo para apresentar medidas de controle do gasto público, dado o cenário descrito anteriormente.
Em meio a esse contexto, 2021 começa bem menos otimista do que o ano anterior, embora um pouco mais esperançoso do que há alguns meses. Mais do que nunca, o crescimento da economia irá depender da evolução da pandemia e da velocidade da vacinação. Em cenários razoáveis, o crescimento deste ano deve se situar ao redor de 3%, inclusive pelo efeito da comparação com o ano anterior. Novas medidas de estímulo devem ser necessárias até o meio do ano, enquanto o ritmo de vacinação não leva o País em direção ao “novo normal”. E o BC deve manter ação mais cautelosa na política monetária, evitando um aumento ainda maior da inflação.
Na melhor das hipóteses, o ano de 2021 será uma versão invertida de 2020, no qual, à medida que os meses passam, os dados e as expectativas sobre a economia se mostram mais otimistas. Isso, em conjunto com o avanço da agenda de reformas – que irá garantir a sustentabilidade fiscal em longo prazo –, pode significar que, em 2022, a economia esteja em franca recuperação, gerando emprego e renda necessários para aliviar os custos sociais da pandemia.
Reginaldo Nogueira* é Ph.D. em Economia e diretor-geral do Ibmec São Paulo e Brasília
Artigo publicado no portal InfoMoney: clique aqui