Estadão: Que falta nos faz uma reforma, Mercosul

COMPARTILHAR
Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Por Oswaldo Dehon R. Reis, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH, cientista político, doutor em Relações Internacionais e autor do livro “As origens do MERCOSUL – a construção da ordem política no Cone Sul”

Em março de 2021 a assinatura do Tratado de Assunção que criou, juridicamente, o Mercosul fez 30 anos. O arranjo regional, composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai constitui a mais relevante experiência de regionalismo da América do Sul. No entanto, atualmente, a avaliação do arranjo é negativa ou de decepção. Em minha opinião, há excessivo pessimismo. Há bons motivos para considerarmos o arranjo bem-sucedido.

As explicações tradicionais para a criação do Mercosul derivam da liberalização econômica e da transição democrática. Mas, para compreender a integração é necessário explicar o processo que leva a reconciliação entre Brasil e Argentina. Os países se tornaram rivais desde a vitória do Gen. Urquiza na Batalha de Monte Caseros, em 1852, em que as províncias argentinas foram divididas. De um lado Urquiza, apoiado por Brasil e Uruguai; do outro, o poder de Buenos Aires, do Gen. Rosas. Com a derrota de Rosas, Urquiza se torna o primeiro presidente constitucional da Argentina, em 1854. Com as disputas com o Brasil, e temerosa com a expansão naval chilena, a Argentina decide se armar.

A rivalidade aumenta com a Crise de 29, levando a um novo relacionamento dos estados europeus com a região – Argentina com o Reino Unido, Brasil com Itália e Alemanha. Com o nacionalismo surgem as guerras (Chaco, Peru-Colômbia, Equador-Peru) e com a ausência americana, Brasil e Argentina passam a fiadores da ordem regional.

A encomenda de navios de guerra por Buenos Aires, leva Vargas a arrendar navios americanos. O golpe militar de 1937, no Brasil, autorizou o aumento do orçamento da defesa. Vargas decide apoiar os EUA na Guerra, enquanto Argentina se manteve neutra. Apoiar o Brasil e dissuadir a Argentina se tornou a política externa de Roosevelt, na região. O golpe argentino de 1943 só fez aumentar a rivalidade.

Perón indispôs-se com o Pres. Farrell, que determina sua prisão, após sublevação popular que liberta o vice e o elege presidente, em 1946. Perón é reeleito, em 1951, mas foi derrubado em 1955, pela Revolución Libertadora de Aramburu, que buscava rivalizar com o regime civil brasileiro, chegando a insuflar o golpismo de Lacerda, com o caso das supostas armas compradas por Goulart para armar milícias populares. Em 1962 um golpe militar derruba o Pres. Frondizi, na Argentina, e em 1964 o governo de Goulart foi destituído, levando os dois países a regimes militares.

A rivalidade teve seu ápice com os projetos das hidrelétricas no Rio Paraná e os programas nucleares dos países. Com Itaipu a disputa durou anos, dado o receio que a abertura de comportas pudesse inundar Buenos Aires e o estuário do Rio da Prata. Videla assentiu com o licenciamento, mas só em 1979. O programa nuclear argentino previa seis usinas nucleares. Já no Brasil acordos foram feitos para a construção de Angra I, II, III e mais seis centrais.

Apesar da transição democrática ter se iniciado mais cedo na Argentina, os governos Geisel/Figueiredo seguiram com o processo de reconciliação. Os passos foram dados por medidas de confiança mútua, tendo como base a fiscalização das plantas nucleares. A etapa seguinte, liderada por Alfonsín e Sarney, foi central para o sofisticado processo de institucionalização que faria que a Argentina optasse por um momento realista, dada a escassez de recursos, crise da dívida externa e a distância dos EUA. A partir da Declaração Conjunta sobre Energia Nuclear, em 1985, foram criados, no dia 26/03/1991, o MERCOSUL, e em 18/07/1991, a Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade de Material Nuclear (ABACC), já nos governos Collor e Menem.

O MERCOSUL é a experiência mais bem-sucedida de integração regional da América Latina. Seu êxito pode ser medido pelo rápido aumento do comércio intrabloco, a redução das alíquotas de importação, a integração energética, física e circulação de pessoas, a segurança regional, a blindagem democrática e a construção de uma plataforma de inserção internacional. Mas, se o passado é inspirador, o futuro depende de mudanças.

Os argumentos da crise são conhecidos – excessiva burocratização, rigidez em negociações bilaterais, TEC elevada e desvio de comércio. Mas, como não há terapia sem um diagnóstico – as fragilidades da integração do Cone Sul tornam-se evidentes pela mudança de padrão de comércio da região com a China que saltou de U$ 15 bi (2010) para U$ 300 bi (2019). Além do crescimento da China, há a diminuição relativa do peso do Brasil e da Argentina na ordem global, ocasionada pela condução das políticas econômica e externa. Nos 30 anos é momento de estabelecer maior liberdade de comércio, maior cooperação tecnológica, discussão de cadeias produtivas, de ajustes na TEC e do reconhecimento que as mudanças na ordem global devem levar o bloco a busca de maior dinamismo econômico, emprego e renda. Reformas, e não o abandono.

Publicado em Blog do Fausto (Estadão)








CADASTRE-SE PARA RECEBER INFORMAÇÕES SOBRE NOSSOS CURSOS

Informe o seu nome completo
Informe um número de celular válido
Li e concordo com a política de privacidade, bem como com o tratamento dos meus dados para fins de prospecção de serviços educacionais prestados pelo IBMEC e demais instituições de ensino do mesmo Grupo Econômico
Preencha todos os campos obrigatórios