Criptomoedas são mesmo moedas?

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Tempo estimado de leitura: 6 minutos

Eles são ativos especulativos, por Reginaldo P. Nogueira Jr., Ph.D. em economia e diretor-geral do Ibmec SP e DF; e Samuel de J. Monteiro de Barros, doutor em Administração e pró-reitor da pós-graduação do Ibmec RJ

Imagem de um bitcoin para ilustrar artigo de opinião sobre criptomoedas

O valor da bitcoin em dólares caiu mais de 50% desde o começo do ano. A queda se tornou mais acentuada a partir de maio, à medida que a inflação global levou bancos centrais a elevarem as taxas básicas de juros.

Outras criptomoedas também têm sofrido muito com maior volatilidade nesse momento de crise. Isso coloca em teste os argumentos mais otimistas com relação às criptomoedas e o seu papel em um futuro arranjo monetário.

Em especial, porque elas não cumprem todos os pontos esperados para uma moeda no sentido clássico, não deixando de ser basicamente um ativo especulativo.

Funções de uma moeda

Uma moeda possui três funções econômicas básicas:

  • 1-) ser um meio de troca;
  • 2-) uma reserva de valor;
  • 3-) uma unidade de conta.

A primeira função é o desenvolvimento óbvio na saída de uma economia de escambo: ao invés de se trocar mercadorias por mercadorias, passa-se a utilizar algo como um mecanismo intermediário para as trocas. Do sal ao ouro, ao papel moeda.

Nesse quesito as criptos ainda engatinham, bitcoin à frente, com alguns avanços de aceite na economia formal. É claro que a dificuldade de maior aceitação se dá exatamente pela natureza privada, sem curso forçado legal. Mas são nas funções 2 e 3 que elas se distanciam mais claramente da métrica tradicional de definição de uma moeda.

Uma moeda deve garantir algum valor e estabilidade ao longo do tempo, de maneira que assuma um papel de padrão de pagamentos diferidos. É o que se chama de reserva de valor.

Casos de alta inflação e instabilidades monetárias graves levam vários países a adotarem medidas drásticas de controle e, em alguns casos como no Brasil dos anos 1980 e 1990, até mesmo a substituição de uma moeda. No caso de criptomoedas, a variação muito forte de valor é uma constante, elevando risco e reduzindo ampla aceitação.

Explicando mais sobre as criptomoedas

O próprio fato de que criptomoedas são descentralizadas, e não possuem curso forçado legal, dificultam a expansão de uso, e a segurança de que uma “troca” ordenada possa ocorrer em caso de colapso, como ocorreu com a introdução do real em 1994, por exemplo.

Ademais, as criptomoedas não se tornaram uma unidade de conta, e estão longe disso. Valores não são amplamente expressos em termos de bitcoin, por exemplo, inclusive por sua alta volatilidade.

O fato de que as criptos sejam negociadas em diversas plataformas diferentes, sempre de maneira descentralizada, também enfraquece seu papel como unidade de conta. Nesse contexto, não faz muito sentido em dizer que sejam uma moeda. Elas são ativos especulativos, com todos os riscos associados.

Investimentos especulativos em geral buscam retornos mais rápidos pela compra e venda de ativos na crença de uma valorização ou desvalorização futura. É esse o caso das criptomoedas, que possuem muita de suas oscilações baseadas na crença de valorização de algum índice acessório futuro, o que provoca volatilidades significativas. Com isso é natural observar altas elevadas e quedas vertiginosas.

Desta forma, observando as criptomoedas como investimentos especulativos, elas apresentam alguns pontos positivos:

  • Como, por exemplo, se observarmos a Bitcoin, até por ser a criptomoeda mais famosa do mercado, desde a sua criação em 2009 ela já chegou as máximas de valor, sendo U$ 69 mil em 2021. Olhando de forma histórica, a Bitcoin apresenta, em 12 anos, valorização acumulada de 13.000%, uma média de mais de 150% ao ano.
  • No entanto, não só de altas vive a Bitcoin como o momento atual bem nos mostra. De maneira geral para as criptomoedas, diferentemente de moedas tradicionais, os sobressaltos sofridos são frequentemente maiores. Podemos ver, como exemplo, os tombos médios na casa dos 25% em apenas uma semana, entre 13 e 17 de junho de 2022.
  • Além das quedas com desvalorização de 31% em sete dias seguidos, ocorridos no final de 2020. Movimentos muito similares aos encontrados em opções de mercado, Small Caps e micos do mercado acionário, que são considerados ativos especulativos, ou em períodos de guerra.

Mas se nada disso basta, podemos citar a declaração de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, que em setembro de 2021, em um painel da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris, disse:

‘criptomoedas são ativos altamente especulativos, e não moedas, como afirmam ser.’

Ela complementa, que são ‘diferentes de moedas digitais emitidas por bancos centrais’, que são reguladas, podem ser uma alternativa mais fácil de usar e barata. Também com potencial de agilizar e facilitar as transações no mercado.

É interessante que na busca de encontrar soluções a alguns dos pontos aqui levantados, algumas criptomoedas têm tentado oferecer lastros e garantias. Em alguns casos observamos situações de criptomoedas lastreadas em dólares, por exemplo.

Mas é importante notar que esse tipo de arranjo não deixa de ser muito diferente de uma taxa de câmbio fixa, com todos os riscos de ataques especulativos bem conhecidos e estudados nos anos 1990.

Papel das criptomoedas

O papel de criptomoedas, em geral, será ainda mais afetado pelo avanço das emissões de moedas digitais por bancos centrais. Diversos países têm apresentado propostas nesse sentido, com a China se destacando à frente. Além, é claro, de intervenções e novas regulações que devem caminhar cada vez mais.

Assim, em resumo, argumentamos que as criptomoedas não deveriam ser entendidas como moedas privadas de ampla utilização, mas sim como investimentos de cunho especulativo.

Essa diferença é importante para o próprio entendimento do ativo e seu papel nas finanças internacionais. Isso porque, nesse caso, aceitamos que seu investimento se dá pela expectativa de ganho futuro com sua valorização, e não para seu uso regular em transações comerciais.

* As opiniões contidas nesse artigo não representam as do Ibmec, nem devem ser consideradas como sugestões de investimento.

Este artigo de opinião foi publicado no Valor Econômico: leia aqui.

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