Desafios jurídicos: o que a taxação da Netflix traz para o debate sobre direitos

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O streaming vivenciou uma expansão significativa nos últimos anos, não há quem não tenha uma conta ou compartilhe um perfil nestas plataformas. Especificamente, este último caso tem gerado debate desde que a taxação da Netflix foi anunciada.  A gigante do mercado tem buscado combater a prática de compartilhamento indiscriminado de senhas pelos usuários. Embora as empresas tenham o direito de ajustar preços e instituir novas políticas, é importante considerar alguns fatores. Será que essa mudança respeita os princípios de transparência e informação adequada aos usuários? Sobre isso, conversamos com Rodrigo Capanema, coordenador do curso de Direito do Ibmec-BH e advogado. 

Entendendo o caso  

A introdução de uma nova tarifa pela Netflix para usuários que compartilham suas senhas levantou questionamentos sobre os direitos dos consumidores. A cobrança extra de R$12,90 despertou a atenção de usuários e órgãos de defesa do consumidor. Alguns usuários argumentam que existem situações em que a regra de compartilhamento de senhas não se aplica. É o caso do uso da conta em dispositivos móveis ou a existência de contratos que permitem multitelas. Além disso, a falta de clareza na forma como a cobrança será implementada gerou dúvidas. A ausência de informações prévias podem gerar questionamentos sobre a legalidade e a ética dessa medida.  

A questão reside na forma como a Netflix decidiu realizar essa fiscalização. A empresa irá verificar o número de dispositivos que estão acessando a conta e também utilizará a geolocalização para presumir se houve ou não o compartilhamento. O problema é que essa medida é unilateral, ou seja, a Netflix assume automaticamente que houve compartilhamento e inicia a cobrança adicional. 

Para Rodrigo Capanema, a questão extrapola o direito do consumidor. 

“Uma questão básica é a de que você não pode presumir a má-fé e, principalmente, a do consumidor. A Netflix é quem tem o dever de demonstrar que houve esse compartilhamento.” 

O que diz o direito do consumidor?  

O Direito do Consumidor estabelece princípios e direitos para proteger os consumidores em relação às práticas abusivas por parte das empresas. No caso específico da cobrança adicional da Netflix é preciso refletir o cenário e as variáveis.  

De acordo com Capanema, não há ilegalidade na cobrança informada pela empresa. A Netflix é uma empresa, busca o lucro e precisa obter resultado. Então, essa preocupação é extremamente legítima. No entanto, é essencial que a empresa forneça informações claras, adequadas e transparentes aos consumidores. É necessário delimitar os critérios de uso e as condições de cobrança. Os consumidores têm o direito de saber como a Netflix define o compartilhamento de senhas e como a taxa adicional será cobrada de forma concreta. 

No entanto, ao anunciar a mudança, a Netflix assegurou que os usuários que possuem uma segunda residência, como uma casa de praia ou de campo, poderiam continuar utilizando suas contas normalmente nesses locais, sem a necessidade de pagamento de tarifas adicionais. O mesmo seria aplicado ao uso da senha em situações de trânsito, como em hotéis durante viagens, ou em dispositivos móveis fora de casa, sem incorrer em cobranças extras. 

Usuários e órgãos competentes estão se perguntando sobre como essa verificação será realizada. Busca-se entender como a Netflix irá determinar se o uso da senha em um celular está sendo realizado por alguém que vive na mesma residência do assinante, por exemplo. A viabilidade de multitelas abre muitos precedentes para situações diversas onde não há desvio da conduta do usuário.  Ainda não está muito claro como isso irá acontecer, e, por isso mesmo, instituições de defesa do consumidor estão aguardando posicionamento da empresa.  

“Boa-fé se presume; a má-fé se prova”

Um princípio jurídico estabelece uma regra de presunção em relação ao comportamento das partes em uma relação jurídica. Ele é baseado na ideia de que, em geral, presume-se que as pessoas agem de boa-fé. Isto é, de acordo com as normas éticas e legais estabelecidas. Essa presunção de boa-fé existe como um princípio básico para fomentar a confiança e a segurança nas relações sociais e jurídicas. 

Por outro lado, a má-fé não é presumida. Caso se suspeite que uma das partes esteja agindo de forma desonesta, desleal ou contrária aos princípios éticos e legais, é necessário provar essa má-fé por meio de evidências e argumentos sólidos. Esse princípio visa garantir a justiça e o equilíbrio nas relações jurídicas, evitando abusos e protegendo os direitos das partes envolvidas. 

É justamente neste sentido que o coordenador do Ibmec, Rodrigo Capanema, situa a cobrança da Netflix:  

“A Netflix precisaria desenvolver e aplicar mecanismos de inteligência e de tecnologia para demonstrar que houve este compartilhamento. Ela não pode criar unilateralmente um critério e, pura e simplesmente, presumir que quem dele divergiu está agindo de má-fé.” 

Os reflexos deste embate 

Não temos nenhum precedente que sustente as características deste caso na justiça brasileira. Trata-se de um caso muito contemporâneo que avalia condições e serviços recém criados.  

Não apenas no Brasil, mas em outros países também se discute essa questão. Por um lado, é passível a preocupação da Netflix, como empresa em busca de lucro e resultados. Essa preocupação é legítima. Por outro lado, temos a figura do consumidor, que não pode ser sobrecarregado pelas variáveis impostas. 

O debate vai gerar um ponto de equilíbrio e refinamento dos instrumentos de fiscalização. Sobretudo neste específico caso de compartilhamento de senhas. É provável que diante do avanço nas formas de rastrear metadados será possível criar ferramentas efetivas.  

No entanto, será um enorme avanço para o mercado. A taxação da Netflix irá puxar um comportamento de empresas e usuários sobre a questão. Será importante acompanhar o desdobramento dessa situação e como ela impactará outras empresas. 

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