André Mendonça carrega diversas polêmicas e, claro, as desconfianças em sua atuação o acompanharão
Não há dúvidas de que o poder de decisão concentrado exclusivamente nas mãos do Chefe do Executivo sempre levantará desconfiança da população
A cada cadeira vaga no Supremo Tribunal Federal há especulações sobre quem será seu próximo ocupante. A indicação cabe ao Presidente da República e, posteriormente, o indicado deve ser aprovado pelo Senado Federal após sabatina. Na verdade, quando o chefe do Executivo indica, a aprovação pela casa parlamentar é certa. A aposentadoria de um ministro do STF sempre dá início a jogadas políticas para cair nas graças do presidente e ser o seu escolhido.
As notícias apontam, até agora, que o indicado para a vaga de Marco Aurélio deverá ser André Mendonça, atualmente o Advogado-Geral da União, com passagem pelo Ministério da Justiça. Mendonça vem se mostrando fiel escudeiro de Jair Bolsonaro e, segundo consta das referências, é “terrivelmente evangélico”, atendendo ao requisito prometido pelo presidente a seus apoiadores. Por isso, o provável escolhido carrega diversas polêmicas e, claro, as desconfianças em sua atuação o acompanharão.
Apenas para ilustrar, podem ser citados os diversos habeas corpus impetrados em favor de blogueiros e apoiadores de Bolsonaro e o uso da Lei de Segurança Nacional para incriminar seus críticos. Enquanto chefe da AGU, não lhe caberia atuar na defesa de simpatizantes do governo, pois a instituição tem por finalidade defender os interesses da União. Em relação à Lei de Segurança Nacional, seu uso para coibir a liberdade de expressão recebeu críticas até da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, pois sabidamente as representações do então Ministro da Justiça não iriam adiante e só serviriam para tomar o tempo da polícia.
E o que significa ser “terrivelmente evangélico”? O presidente já comentou que seria muito bom se as sessões do STF tivessem orações, bem como também já se pronunciou a respeito de pautas de comportamento, como o casamento homoafetivo e o consumo de drogas ilícitas. Talvez o que o mandatário da nação espera de seu escolhido sejam decisões pautadas pelo moralismo religioso e não pela Constituição Federal, apesar de o Brasil ser um país laico. Se essa for sua postura, o novo ministro agradará à maior parte da base aliada bolsonarista – os neopentecostais – e ainda aumentará a popularidade do presidente perante católicos. No entanto, o preço a pagar será o desgaste com outros ministros declaradamente apartidários de dogmas religiosos em suas decisões.
Como qualquer magistrado, os ministros do STF possuem garantias para uma atuação independente: a vitaliciedade, a irredutibilidade de vencimentos e a inamovibilidade. Esse aparato tem por finalidade dar tranquilidade ao juiz para decidir sem ceder a eventual pressão externa. E é assim que deve ser: a função do magistrado é seguir a lei, não interesses escusos ou o clamor popular. O próximo ministro do STF terá todas as garantias ao seu lado e, por isso, deverá exercer sua atividade com independência.
A forma de escolha dos ministros dos Tribunais Superiores tem previsão constitucional. Sempre houve quem denunciasse esse método porque os requisitos exigidos – notável saber jurídico e reputação ilibada – nem sempre são observados. Talvez a escolha dos ministros devesse passar pelas instituições jurídicas – OAB, Poder Judiciário, Ministério Público – e por representações da sociedade civil até a formação de uma lista tríplice da qual o Presidente da República indicaria um. Não há dúvidas de que o poder de decisão concentrado exclusivamente nas mãos do Chefe do Executivo sempre levantará desconfiança da população.
João Paulo Martinelli é advogado, professor do IBMEC-SP, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra.
Artigo publicado no Portal My News.