O lugar da máquina

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Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Por Célia Castro, professora da Pós-Graduação do Ibmec Brasília DF e Gerente de Soluções no Banco do Brasil

Desde criança ouço a frase “a máquina substituirá o homem”. Isso, desde a época em que eu não conhecia o adjetivo “distópico” e não tinha entendimento para completar a frase com “e a mulher, também”.

Assistindo a uma corrida de F1, lembrei-me dessa frase. No GP de Sakhir (Bahrein), em dezembro de 2020, e por conta de o Lewis Hamilton ter testado positivo para Covid19 e ter sido substituído pelo George Russell, da Williams, em colaboração com a Mercedes, perguntei o que faz um bom piloto, já que as “máquinas” são superiores. Embora a Mercedes seja uma excelente equipe, um bom piloto deve ter conhecimento, experiência e “sangue frio” para tomar decisões em milésimos de segundos, avaliando o contexto e as consequências antes de “apertar um botão”.

Confesso que não entendo nada de esportes, principalmente de corridas. Mas não pude deixar de pensar em uma metáfora: por melhores que sejam os motores de uma equipe de F1, essas máquinas, sozinhas, não garantem um bom lugar no grid e não ganham uma corrida nem um campeonato. Algo parecido ocorre com a distopia (sempre quis usar essa palavra) da máquina substituindo o homem (e a mulher), hoje cada vez mais presente nas discussões organizacionais em busca da eficiência operacional.

Penso que a “máquina” não vai substituir o ser humano, ainda que a automatização de processos, assim como ocorreu com a mecanização aplicada ao sistema de produção artesanal, promova a revisão de processos, funções e trabalhos, não apenas produtivos, mas de gestão, de uma maneira geral. E isso, inevitavelmente, leva à discussão sobre a natureza e a necessidade de algumas funções e atividades antes exclusivas de seres humanos. Se isso vai implicar a substituição de homens e mulheres por máquinas, vai depender do preparo dessas pessoas em trabalhar COM – e não PARA – as máquinas.

É compreensível que, em um ambiente de competição cada vez mais acirrada, clientes cada vez mais exigentes e funcionalidades da tecnologia da informação e comunicação cada vez mais atraentes, as empresas busquem na automação a solução para uma boa parte dos problemas que enfrentam para ter uma estrutura de custos mais enxuta e competitiva. Afinal, “máquinas” – aqui incluídos robôs, programas e, claro, equipamentos – são mais “precisas”, previsíveis e não se “cansam”, não têm problemas de absenteísmo, não precisam de férias e não precisam de motivação, nem de terapia.

Mas será que a automação é a solução? Costumamos atribuir aos processos os problemas de eficiência e de satisfação de clientes e funcionários, sobretudo em empresas cujo produto é intangível, um serviço. Logo, não há artefatos tangíveis (bens) que possam ser aprimorados, desmontados, remontados, embalados e cujo aspecto físico possa ser melhorado para agradar a diferentes perfis e necessidades. O que “tangibiliza” um serviço, ao fim e ao cabo, é o seu processo, é o modus operandi pelo qual a empresa resolve os problemas (ou as “dores”) dos seus clientes.

Diante disso, também costumo dizer e pensar que de nada vale automatizar processos sem, antes, revê-los. A revisão de processos, independentemente do método que se venha a utilizar para isso, é que vai permitir aos tomadores de decisão decidir não apenas quais processos poderão ser SUBSTITUÍDOS por máquinas, mas, principalmente, quais processos deverão DEIXAR DE EXISTIR. Automatizar processos sem, antes, se perguntar se eles são realmente necessários nada mais é do que automatizar o erro, a obsolescência e a irracionalidade. E, nesse caso, a automação poderá ser mais danosa do que a manutenção do processo como ele está, pois um processo “errado” automatizado é apenas um processo que produzirá, de forma mais rápida e em larga escala, mais danos.

Defensores de ideias sobre organizações exponenciais e métodos ágeis dirão que esse “erro automatizado” é bom, já que as empresas poderão “errar rápido” para “aprender rápido”. Não lhes tiro a razão. Mas por que não investir um pouco mais de tempo aprendendo com os erros já demonstrados pelos processos como eles são (e não faltam pesquisas, estudos e diagnósticos nas organizações para isso) e expurgar esses erros e até mesmo processos inteiros antes de os automatizar? Que tal “ensinar” à inteligência artificial aquilo que, como seres humanos, já aprendemos, muitas vezes a “duras penas”, antes de fazer as máquinas errarem em escala exponencial?

Paralelamente, que tal preparar as pessoas de hoje para que se possam desenvolver como seres humanos e profissionais e, dessa forma, diminuir os receios de perder sua posição para máquinas? Algumas empresas já iniciaram esse caminho “do bem”, investindo em capacitação e disseminação de informações e conhecimento para que seus funcionários e colaboradores, independentemente da “geração”, possam se sentir mais “à vontade” com as novas tecnologias e possam, portanto, extrair o melhor dos processos automatizados.

E essa “capacitação” deve abranger os clientes das empresas. Eles, mais do que ninguém, devem-se sentir à vontade com a automação e perceber o valor “agregado” pela automação nos processos destinados a atendê-los, sejam as empresas fornecedoras de bens ou de serviços. E, claro, é preciso que esses clientes tenham acesso aos dispositivos e às tecnologias que permitem traduzir essa automação em soluções efetivas. Caso contrário, apenas teremos uma legião de clientes insatisfeitos e um “oceano” de oportunidades de negócios perdidas. E essas, infelizmente, nenhuma “máquina” poderá recuperar. Não, pelo menos, sem a intervenção da inteligência humana.

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