Pragmatismo e manutenção dos laços bilaterais
Por Adriano Cerqueira, Doutor em História e professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH
Os governos do Brasil e dos EUA assinaram o Acordo de Comércio e Cooperação Econômica, mais conhecido na sigla em língua inglesa como Atec.
O Atec começou a ser discutido em 2011, mas foi ativado, de fato, em 2019, com o início do governo Bolsonaro, que investiu na aproximação comercial e política com os Estados Unidos, à época governados por um presidente (Donald Trump) que era mais afinado politicamente com Bolsonaro.
Na prática, a formalização do entendimento resultou em três acordos bilaterais, um referente à facilitação de comércio, outro às boas práticas regulatórias e um focado no combate à corrupção. Um aspecto importante no acordo fechado foi a busca dos governos de evitarem a interferência dos Poderes Legislativos e de blocos econômicos na efetivação do acordo e para tal foi evitada a questão de redução tarifária no comércio entre os países. Para que as resoluções não escapassem às prerrogativas dos Poderes Executivos dos dois países, o enfoque do acordo foi a eliminação de excessos burocráticos e regulatórios que, de modo indireto, aumentam os custos comerciais. Assim, com a diminuição desses encargos, estima-se que o comércio entre Brasil e EUA poderá ter uma queda de custo de 13% a 20%.
Não foi coincidência que o acordo foi assinado a poucos dias da eleição presidencial dos EUA, em 2020. Havia o temor que uma provável vitória de Joe Biden, do partido Democrata, significasse um revés nas relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e EUA. E, de fato, Biden venceu a disputa e assumiu em janeiro o governo norte-americano. E como ficaram as relações com o Brasil?
Apenas um mês após a posse, representantes do governo Biden deram declarações favoráveis para a manutenção dos acordos feitos com o Brasil. O fato é que, desde o início de fevereiro, Ernesto Araújo (ministro das Relações Exteriores do Brasil) teve reuniões com o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, e, também, com Antony Blinken, o novo secretário de Estado dos EUA (cargo que se assemelha ao de Ernesto Araújo). Animado com os resultados dos encontros, Ernesto Araújo publicou nas redes sociais sua agenda e os resultados obtidos.
Pelo lado norte-americano, houve manifestações que reforçaram o entendimento de Ernesto Araújo. No dia 8 de março, a porta-voz do governo dos EUA, Jen Psaki, revelou a intenção do governo Biden de não apenas manter, mas de intensificar as relações econômicas com o Brasil. Kristina Rosales, porta-voz do Departamento de Estado para a América Latina, manteve esse entendimento e inclusive indicou o interesse dos EUA para que o Brasil não venha a adotar a tecnologia 5G da China. As duas potências econômicas estão há muito tempo competindo na oferta de serviços nessa tecnologia e um mercado como o brasileiro não é algo a ser ignorado, ideologias à parte.
O que se pode depreender é que, apesar da forte pressão do lobby ambientalista contra o governo Bolsonaro, as áreas da política externa norte-americana, especialmente as mais interessadas no comércio exterior, estão sinalizando que manterão uma postura mais pragmática com o governo brasileiro. Não lhes deve ter escapado que ter um presidente de um país da importância regional do Brasil que, desde o início de seu governo, procurou reforçar os laços políticos e econômicos com os EUA é algo muito positivo e justo em um momento que a China avança sua influência política e econômica em todo o planeta.
Nesse sentido, no dia 5 de março deste ano, o governo Biden colocou em lista negra a empresa chinesa Xiaomi, endossando assim uma decisão de Trump e reforçando o entendimento de que a disputa comercial entre EUA e China deverão estimular uma prática diplomática mais pragmática com o governo Bolsonaro. Afinal, em que pesem as divergências ideológicas entre os dois governos, Brasil e EUA têm um histórico de alianças políticas, econômicas e militares de longa data, e isso sempre pesará nas relações entre os dois países.
Publicado em O Tempo.