Diretor Nacional do Ibmec, Reginaldo Nogueira, escreveu um artigo de opinião para o Jornal O Globo sobre os desafios do pacote fiscal. Confira notícia completa na íntegra.
Pacote fiscal é promessa que não entrega.
Basicamente, o governo está se comprometendo a tentar reduzir a velocidade do crescimento dos gastos.
Por semanas o mercado aguardava o pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que deveria devolver credibilidade ao arcabouço fiscal aprovado no ano passado. O pacote chegou, mas está longe de atender às expectativas ou resolver o problema. Pior, veio envolto num debate de benesses tributárias totalmente extemporâneo, fora do contexto de desafios para estabilizar a dívida pública brasileira.
O Brasil passa por uma crise fiscal que não pode ser negligenciada pelo governo. O déficit primário, que pelo arcabouço deveria estar próximo a zero, está em 1,95% do PIB no acumulado em 12 meses. Ao somar os pagamentos de juros, chega-se a déficit nominal de 7,57% do PIB. Com isso, a dívida pública alcançou 78,6% do PIB, sem expectativas de estabilização. Para minorar esse cenário, o mercado esperava um corte de gastos de pelo menos R$ 60 bilhões em 2025. Ao anunciar o pacote, o governo se comprometeu com metade disso, deixando um pouco mais para 2026.
As medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda estão divididas em seis frentes:
1. limitação do avanço do salário mínimo dentro do arcabouço;
2. correção do limite de acesso ao abono salarial pela inflação, até que o teto caia a um salário mínimo e meio (isso deve acontecer em até dois anos);
3. mudanças na aposentadoria militar, com idade mínima para ir à reserva e limitação na transferência de pensões;
4. sujeição de agentes públicos ao teto salarial constitucional;
5. crescimento das emendas globais dentro do arcabouço e destinação de 50% das emendas de comissão à saúde;
6. aperfeiçoamento dos mecanismos de controle de fraudes e distorções, especialmente para o Benefício de Prestação Continuada.
O ministro da Fazenda argumenta que essas medidas levariam a economia de R$ 70 bilhões em até 2 anos. É muito pouco, dado o crescimento no gasto nos últimos dois anos. Desse montante, apenas R$ 30 bilhões são estimados para 2025, metade do esperado pelo mercado. Desde 2022, o gasto público cresceu cerca de R$ 400 bilhões, com mais R$ 160 bilhões de aumentos planejados para o ano que vem. A proposta de R$ 70 bilhões, dividida entre 2025 e 2026, não resolve o problema. Nem sequer significa cortes reais. Basicamente, o governo está se comprometendo a tentar reduzir a velocidade de crescimento dos gastos.
O erro mais grave foi associar ao pacote a discussão sobre isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil a partir de 2026. Isso mistura os temas e traz um desafio fiscal adicional, em meio a uma situação já bastante difícil. A proposta de compensar, ou neutralizar, essa isenção com aumento do imposto para aqueles que ganham mais de R$ 50 mil precisaria ser mais detalhada. Não está claro que a compensação realmente acontecerá de maneira integral. A mensagem foi mais de que considerações de natureza política superam as demandas e necessidades reais da economia.
O mercado reagiu muito mal ao anúncio, com aumento forte dos juros futuros e da taxa de câmbio. Haverá, agora, pressão muito grande sobre o Banco Central, que precisará elevar juros de maneira mais forte para conter os impactos inflacionários da desvalorização do real e tentar restaurar expectativas.
Ao final, o próprio ministro admitiu em sua entrevista coletiva que as medidas podem ser insuficientes e que novos cortes serão necessários. Essa é uma verdade óbvia, embora inconveniente. A pergunta é: haverá algum ajuste sério à vista?
Notícia publicada em 30/11/2024 – Jornal O Globo.