Por Marize Schons, professora do curso de Relações Internacionais do Ibmec BH e Nicolas Péret, aluno de relações internacionais do Ibmec e assistente de pesquisa no Observatório das Eleições.
As especulações de que a política dos Estados Unidos estaria sob ameaça de sofrer interferência externa de países como a Rússia, a China ou até mesmo o Irã são recorrentes, principalmente durante o período eleitoral.
Um dos casos mais paradigmáticos desse tipo de prática aconteceu durante as eleições norte-americanas de 2016. Nesse episódio, a interferência russa ocorreu a partir da influência nas mídias sociais e da obtenção de informações por meio de “hacks”. Contudo, a tecnologia não é o único instrumento que torna possível a interferência estrangeira.
O Instituto Hudson aponta que o Partido Comunista Chinês utiliza mais de US$ 10 bilhões anualmente para fortalecer sua influência externa. Os líderes corporativos – influenciados por agentes vinculados ao PC chinês – agem como lobistas estrangeiros a fim de apresentarem uma visão positiva da China.
Recentemente, também foi trazido à tona o cargo de Hunter Biden (filho do candidato democrata) na diretoria de uma empresa financiada pelo Bank of China. A BHR Capital é um empreendimento conjunto entre Hunter e a estatal chinesa Bohai Capital. Do outro lado, Ivanka Trump, filha do candidato republicano, recebeu, por meio de sua empresa de vestimentas e acessórios em 2018, 16 marcas registradas do governo chinês que passaram a comercializar produtos com seu nome.
Dessa forma, a “captura das elites” (elite capture) – quando as lideranças políticas ou econômicas de um país estão direta ou indiretamente representando os interesses de outros países – também consiste em uma forma clássica de interferência externa na política nacional. Na prática, essas elites políticas e econômicas passam a pressionar a produção de política pública (e política externa) nacional em favor dos interesses de países estrangeiros.
Especificamente, os Estados Unidos estão propensos a sofrer com esse tipo de interferência por dois principais motivos. O primeiro, pela estrutura descentralizada e representativa do seu sistema político. Essa estrutura acoberta o convívio de diferentes grupos de interesse por considerar que a pluralidade em coexistência são desejáveis, pois a competição de facções é uma arma contra a tirania.
O outro motivo que faz os EUA vulneráveis à interferência estrangeira consiste na sua proeminência econômica mundial. Mesmo que a sua economia não seja mais a maior do mundo, as redes de investimento externo, de crédito internacional, de inovação, as maiores empresas globais e mesmo a moeda padrão das transações globais ainda estão centradas no contexto norte-americano.
Isso leva o país a estar profundamente interdependente economicamente do resto do globo – não apenas o mundo depende das decisões norte-americanas, como apontam alguns analistas. Portanto, as elites econômicas norte-americanas, na forma das grandes empresas, possuem negócios bilionários, por exemplo, no mercado chinês, e não desejam deteriorar as suas relações e seus ganhos na Ásia.
A consequência dessa propensão à interferência externa para as eleições de 2020 é que alguns dos países estão ativamente influenciando o decorrer das eleições americanas com base em seus interesses próprios. Ao menos é isso o que mostra um pronunciamento oficial do Centro Nacional de Contrainteligência e Segurança (NCSC) dos Estados Unidos, que indica influência russa, chinesa e até mesmo iraniana nas eleições deste ano.
A Rússia, que possui menos capacidades de captura de elites, mantém as suas ações cibernéticas em favor de Trump. O Irã e a China – que foram muito prejudicados com a postura mais dura do atual presidente – apoiam Biden, seu oponente.
Crédito: O Tempo