O resultado das eleições presidenciais de 2022 trouxe uma nova equipe de gestão e com ela novas pautas. Um dos temas econômicos mais comentados foi a possibilidade de criação de uma moeda única no bloco econômico do Mercosul. O assunto gerou curiosidade, dúvidas, oposição e apoio, e também quem enxergou a viabilidade de um euro sul-americano. Mas será que é isso mesmo? O que se sabe a respeito da proposta até agora? Os especialistas Reginaldo Nogueira, diretor-geral do Ibmec SP e DF, juntamente a Márcio Salvato, gerente-geral do Ibmec BH e Ari Francisco de Araújo Jr., coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec BH dão um panorama sobre o assunto.
Real ou Pesos: quais os acordos em andamento?
O assunto não é novidade no discurso do atual ministro da Fazenda Fernando Haddad. No início de 2022, antes mesmo da vitória do presidente Lula, Haddad já havia publicado um artigo a respeito. Na análise, ele defende que a moeda aceleraria a integração regional dos países da América do Sul. Além disso, também fortaleceria a soberania monetária no mercado internacional. Logo após a posse, na primeira semana de janeiro de 2023, o embaixador da Argentina no Brasil sugeriu o trabalho conjunto. Após conversas com o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, representantes de ambos os países avaliaram uma moeda comum.
MERCOSUL: história e integração
É essencial para a introdução deste tópico esclarecer o que é o Mercosul, e pontuar alguns dos marcos da sua história. O Mercosul – Mercado Comum do Sul – é um bloco econômico de importante relevância mundial. Ele surgiu em 1991 com intuito de gerar uma integração regional entre os países Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Atualmente, ele também incorpora a Venezuela e a Bolívia.
O Mercosul se define como um processo aberto e dinâmico com o objetivo de proporcionar maiores oportunidades e fortalecimento para países vizinhos. Ao longo dos anos, múltiplos acordos foram traçados como livre trânsito e reconhecimentos culturais.
Não é prepotente dizer que o Brasil é um líder no bloco desde o início e foi potencializando sua voz ainda mais ao longo dos anos. O Brasil traz essa posição tanto pela sua potência no cenário mundial, mas também porque cerca de 70% da população do MERCOSUL é brasileira. Bem como, 65% do território geográfico do bloco também pertence ao Brasil. Ou seja, a consolidação do bloco reflete de maneira incisiva e assertiva para os negócios brasileiros. Logo, ações que possam consolidar o bloco tendem a ser um tanto quanto promissoras ao Brasil.
O amadurecimento da proposta
O artigo publicado em 2022 pelo atual secretário-executivo na Fazenda, Gabriel Galípolo e o próprio Haddad sugeriu uma moeda sul-americana. Essa ideia de uma possível ‘moeda única do Mercosul’ é o ponto inicial para discussão de teoria econômica. Entretanto, é fundamental esclarecer as condições necessárias para que isso seja, realmente, factível. Um bom exemplo é olhar para o experimento da criação e implementação do euro.
Portanto, adentrar o assunto é resgatar os estudos que formaram as teorias econômicas. As contribuições sobre as áreas monetárias de Robert Mundell, publicadas nos anos 1960 e prêmio Nobel de economia em 1999, são algumas delas. Segundo o teórico, as áreas geográficas que fariam sentido para a mesma moeda seriam aquelas com determinadas características. São elas: grande fluxo comercial, muita mobilidade de mão de obra, e alta integração financeira.
“Ora, o Mercosul representa cerca de 6% da corrente de comércio do Brasil, o que invalida a primeira. A mobilidade de mão de obra é baixa até mesmo entre os estados brasileiros. Apenas 20% das pessoas migram para outros estados. Logo, torna-se baixíssimo o número de migrantes no mercado de trabalho entre os países na América Latina”. Pontuam os especialistas econômicos do Ibmec.
Ademais, a integração financeira é inexistente. É fácil perceber isto, basta observar os diferenciais de juros e diferentes regulações bancárias entre os países da região. Logo, nenhuma das três características está presente para iniciarmos essa conversa.
Afinal, qual seria a motivação para tal implementação?
Para que se torne mais palpável a compreensão deste cenário, pode-se voltar os olhos para o grande experimento da zona do euro. Por lá, muito se aprendeu sobre o tema, e espelhar experiências é essencial para projetar ações. Com uma moeda comum teremos apenas um Banco Central e, portanto, uma única política monetária para todos os membros. Isto funcionaria para países com tamanha singularidade como, por exemplo, os gigantes Brasil e Argentina?
“Isto requer o que chamamos de simetria de choques econômicos, uma vez que se há desalinhamento de política fiscal a política monetária terá impactos diferentes entre os membros.” Aponta os economistas do Ibmec.
Apesar de haver um aparente amadurecimento da União Europeia, no contexto histórico vale lembrar que houve grandes dificuldades do sul europeu. Quando comparado às economias centrais do continente, a divergência de inflação e os juros únicos desregularam a balança. Um grande exemplo é a crise Grega que deixou o aprendizado: não existe moeda comum sem algum tipo de federalismo fiscal. O que alerta para a importância de criação de protocolos para limites da dívida pública e déficit fiscal.
Há diferenças bastantes fundamentais entre os países europeus e os países sul americanos. Tal condição demonstra que há muito pontos aos quais ainda estamos engatinhando e que vamos enfrentar caso haja a aplicação do projeto. Sem falar em conflitos sobre os objetivos da união econômica – além dos conflitos políticos.
Deste modo, é óbvio que se observou longos processos de ajustes aos padrões desejados para ingresso ao euro: os países precisaram alinhar políticas monetárias e fiscais, com limites de inflação, déficit e dívida pública.
“O Brasil e os países do Mercosul têm aspectos econômicos e sociais tão distintos que a implementação e o processo de ajuste parecem completamente fora do nosso contexto atual.” Avaliam.
Definitivamente as características econômicas para moeda única não são atendidas agora e não serão atendidas rapidamente. Seria um longo processo, como foi para a região do euro.
Existe, complicando o comércio com o resto do mundo. Para o Brasil não faz sentido econômico e serve apenas para desviar a atenção do importante tema do controle da dívida pública.
Ainda vai render!
O assunto sobre uma moeda única do MERCOSUL ainda vai render bastante no cenário econômico brasileiro. Aqui em nosso blog você pode se atualizar e acessar as visões dos nossos especialistas e profissionais da área que também compõem nosso corpo docente. Não deixe de acompanhar.