Christopher Mendonça | Doutor em Ciência Política e professor de relações internacionais do Ibmec BH.
As convenções partidárias norte-americanas são importantes atos políticos que marcam o início oficial das eleições. Esses eventos, via de regra, reúnem apoiadores e figuras proeminentes de cada um dos partidos. Neste ano, em razão da crise sanitária, a Convenção do Partido Democrata foi realizada de forma virtual, conectando interlocutores em diversas partes do território norte-americano.
Mais de dez horas de transmissão online, divididas em quatro dias, marcaram um evento atípico, sem o calor popular característico dos encontros do partido. Foi necessário muito esforço em arte gráfica para tornar a ocasião minimamente chamativa ao público que, de forma remota, aguardava a nomeação da chapa presidencial.
A figura central do evento, o ex-vice-presidente Joe Biden, esteve acompanhada de sua esposa, a educadora Jill Biden, que é responsável pelo teor emocional do discurso de campanha. Biden não é a figura ideal do público democrata para o presente pleito: homem branco, com 77 anos de idade e uma longa trajetória política pautada sobretudo por um discurso de moderação, o candidato precisou contar com reforços.
Depois de um difícil processo de seleção entre seus correligionários, a senadora californiana Kamala Harris foi a escolhida para compor a chapa presidencial ao lado de Biden. Graduada em direito, garantiu a oportunidade de ser a primeira mulher a ocupar a Procuradoria Geral da Califórnia. Crítica contumaz do presidente Trump, Harris é negra e filha de imigrantes, o que contribui para a defesa da diversidade na campanha.
Mesmo com um discurso com muito mais energia do que o de seu companheiro de chapa, a senadora Kamala Harris é uma política conservadora, frustrando assim o potencial eleitorado do senador Bernie Sanders, que disputou as primárias com a ex-senadora Hillary Clinton em 2016 e acumulou admiradores. Em 2020, Sanders mais uma vez se destacou entre a juventude universitária e as comunidades minoritárias, mas foi preterido ante ao grande apoio do establishment partidário ao seu concorrente.
Na Convenção Democrata, realizada há poucos dias, o discurso do senador Sanders foi muito aguardado e chamou a atenção da audiência para a necessidade de união entre diferentes correntes partidárias contra o adversário. Lideranças proeminentes do partido também fizeram uso da tribuna, como por exemplo os casais Obama e Clinton.
A participação dessas lideranças foi importante para mostrar união partidária, mas destacou ainda mais a falta de carisma do candidato Joe Biden. É importante lembrar que essas mesmas figuras deram o seu aval à candidatura de Hilary Clinton em 2016 contra o mesmo adversário de agora, sem sucesso.
Uma plataforma eleitoral baseada no racismo e nas dificuldades do atual presidente ante a crise de saúde podem, sim, mobilizar alguns públicos atentos. É necessário, todavia, algo mais amplo para que o eleitorado se mova em função das propostas. O plano de governo dos Democratas não tem a cara de seus candidatos: atribuíram a Biden e Harris, figuras claramente moderadas, a defesa de um projeto com grandes mudanças estruturais, sobretudo em áreas sociais. A meu ver, é como se um pequeno guerreiro fosse incumbido de ir ao campo de batalha com a pesada e desproporcional armadura de seu general.
Sobre a possível vitória de Biden, as evidências ainda são muito turvas. A vantagem em pesquisas ainda é pequena, podendo ser revertida pelo adversário que já cumpre agenda por todo o país.
Crédito: O TEMPO