Os votos manifestados pelo Brasil na sessão especial de emergência da Assembleia Geral das Nações Unidas e na reunião do Conselho de Segurança da ONU situam o país oficialmente em um dos lados do conflito entre Rússia e Ucrânia.
O posicionamento veio após sinalizações ambíguas da diplomacia presidencial, como a manifestação de solidariedade à Rússia pelo mandatário brasileiro após o encontro oficial com Vladimir Putin, pouco antes da deflagração do conflito. A ambivalência do posicionamento brasileiro traz preocupações. Entre elas, as consequências da ausência de fundamentação estratégica da política externa nacional.
As escolhas em diplomacia devem ser estratégicas, isto é, realizadas a partir da compreensão das consequências políticas e econômicas das ações internacionais, considerando diferentes cenários. Mas isso exige coordenação de interesses domésticos e uma visão clara sobre quais são os objetivos internacionais brasileiros.
Sabemos da competência de nossos diplomatas; por isso, os cálculos para o estabelecimento de posições coerentes só podem ser feitos a partir do diálogo entre ministérios, agências e representações setoriais. A dificuldade de o Executivo estabelecer isso, porém, afasta ainda mais as possibilidades de institucionalização de uma inteligência doméstica capaz de oferecer respostas ágeis a eventos globais.
Assim, no atual conflito, é importante entender o que está em jogo e o que deve ser considerado no posicionamento do Brasil. Em primeiro lugar, o componente econômico. Enquanto a guerra durar, alguns setores serão inevitavelmente prejudicados. O governo federal terá que mapeá-los e auxiliá-los no que for necessário.
Entre os dois países, o Brasil tem um pequeno superávit no comércio exterior com a Ucrânia. As trocas envolvem a compra de ligas metálicas por produtos agrícolas. Já com a Rússia existe um importante déficit comercial. O Brasil importa fertilizantes e exporta produtos como soja e carne de frango.
O agronegócio brasileiro é tomador de preços internacionais e deve buscar outros fornecedores de fertilizantes, como China, Argélia e Nigéria, com a ajuda de agências como a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).
Um alerta especial deve ser ligado entre os exportadores. O setor agropecuário brasileiro, por exemplo, já foi penalizado em diversos momentos pela Rússia sob a alegação de insegurança sanitária e continuará a ter dificuldades de entrar nesse mercado. Em segundo lugar, há um jogo político importante a ser equacionado. A participação do Brasil como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU no biênio 2022-23 pode ser vista como uma oportunidade histórica.
A declaração escrita pelo embaixador Ronaldo Costa após a manifestação do voto do Brasil em favor de uma resolução contrária à Rússia, em 25 de fevereiro, ressalta a dificuldade de efetividade do conselho e reforça a legitimidade da reivindicação reformista do Brasil.
O país pode usar estrategicamente sua atuação no conselho para ampliar sua voz. Além disso, um apoio concreto às posições dos EUA e de países ocidentais pode contribuir com a legitimidade do pleito brasileiro de adesão à OCDE. Existe um jogo a ser jogado. O Brasil precisa urgentemente entender o que está em jogo e se preparar para a partida.
Pietro Rodrigues, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec SP.
Artigo publicado na Folha de S.Paulo: clique aqui